China 2020: desafio para a América Latina
Por Javier Santiso
Valor Econômico, 01/02/2010 – pág. A13
O eixo Atlântico aos poucos deixa de ser o centro das relações econômicas e financeiras
O deslocamento dos centros econômicos em direção à Ásia foi uma das principais novidades econômicas da década. O eixo Atlântico está deixando de ser o centro de gravidade das relações econômicas e financeiras, dando lugar a um maior papel do eixo Pacífico. Essa estrutura geológica das relações internacionais ficou refletida, em particular, pela maior relevância que a China passou a representar para uma região como a América Latina. A crise de 2008, não só ficou longe de frear essas tendências como, ao contrário, as acelerou.
Dessa forma, em 2008, a China transformou-se em um dos principais parceiros comerciais da América Latina. Nesse ano, o comércio entre as duas regiões superou os US$ 140 bilhões. Em 2009, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, a principal economia latino-americana. Isso, obviamente, não é uma tendência única da região: em 2009, a China também se tornou a maior parceira comercial da África do Sul e Índia, apenas para mencionar outros continentes e países.
O consumo chinês voltou a pressionar para cima os preços das matérias-primas exportadas pelos países da América Latina. Enquanto nos Estados Unidos as vendas de carros despencam, impactando as exportações de autopeças do México; na China, elas disparam, alimentando mais e mais importações de matérias energéticas, petróleo, cobre e outros minerais. Nos próximos dez anos, de acordo com estimativas do Deutsche Bank, as importações chinesas de petróleo deverão crescer 21%; as de cobre, 16%; as de madeira, 13%; e as de carne de porco, 11%; matérias-primas e agrícolas produzidas e exportadas por vários países americanos, como Brasil, Argentina, Peru e Chile.
A essa esfera comercial também se deve somar a dimensão financeira. Hoje em dia, o estoque de investimentos externos diretos chineses no mundo chega a apenas US$ 170 bilhões, uma quantia de certa relevância, mas muito distante das magnitudes alcançadas por suas reservas, que superaram os US$ 2 trilhões em 2009. A projeções do JP Morgan sinalizam que essa poupança chinesa chegará a mais de US$ 16 trilhões em 2020. Uma parte dessa liquidez terá que sair do país, em particular, via investimentos externos diretos, participações minoritárias ou outras formas de investimento fora do país.
Os países e regiões que saibam captar esse potencial sairão ganhando com o apogeu chinês. A América Latina, com sua forte capacidade agrícola e de produção de matérias-primas é, sem dúvida, uma região que pode sair ganhando.
Na próxima década, a China representará uma grande sorte, mas também um desafio para a região. Tudo o que ocorrer, ou deixar de acontecer no país terá repercussões maiúsculas na América Latina. Em 2009 já vimos isso (nesse caso, de maneira positiva): enquanto o México vive um declínio histórico de seu Produto Interno Bruto (PIB), em grande parte influenciado por sua proximidade com os Estados Unidos, o epicentro da atual crise mundial, o Brasil, por sua vez, sofreu apenas um ajuste e, em 2010, já crescerá nos limites de seu potencial, de quase 5%, de acordo com as estimativas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Isso significa dizer que esse último país, também em parte pela maior diversificação de suas exportações à Ásia e, em particular, à China, e pela recuperação do preço de matérias-primas, como petróleo, minério de ferro e soja, aproveita a sorte de ser puxada, em parte, pela demanda chinesa. Empresas como a Vale, uma das maiores produtoras de minerais do mundo, que obteve quase 45% do lucro e receitas no mercado chinês, e a Petrobras, que acaba de concluir acordo gigantesco de US$ 10 bilhões com seus sócios chineses, são simbólicas da aproximação entre Brasil e China.
No futuro, os movimentos de baixa ou alta do PIB da China não passarão indiferentes na região. A máxima tão utilizada que dizia "quando os Estados Unidos espirram, a América Latina fica resfriada" também passará a valer para a China: quando Pequim acelerar ou desacelerar seu ritmo de crescimento, a região também sentirá os ventos e marés do Extremo Oriente.
Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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