Thursday, January 14, 2010

181) China e sua moeda "depreciada"

China e sua moeda "depreciada"
Luiz Carlos Bresser Pereira e Márcio Holland
Valor Econômico, 14/01/2010, pág. A15

No artigo "Criando condições para a China", publicado no Valor de 15/12/2009, Dani Rodrik pratica a tradicional arte de economistas ocidentais de emitir sugestões para a China, especialmente sobre o que a China deveria fazer com sua política cambial. Segundo o autor, a China deveria abrir mão de sua "política de câmbio desvalorizado" e adotar uma política industrial que estimule a indústria, mas sem gerar megassuperávits comerciais com os Estados Unidos e Europa. Mesmo pouco agradável, essa seria a única saída para o desequilíbrio global supostamente provocado pela China.

O assunto "desequilíbrios globais" ("global imbalance") ganhou repercussão a partir de meados dos anos 2000, porque os EUA acumulavam déficits em transações correntes inimagináveis para períodos de paz, somados a grandes déficits fiscais, enquanto países asiáticos, principalmente a China, acumulavam reservas cambiais. Logo, muitos economistas acusaram a China por tais desequilíbrios.

Enquanto isso, os Estados Unidos exploravam seu estranho hábito de viver além de seus meios; a poupança das famílias chegava a praticamente zero; e o governo acumulava déficits fiscais. Compravam muito além do que podiam pagar. Financiavam-se na crença de que seu crédito seria ilimitado junto aos países asiáticos dinâmicos aos quais se somou, por um breve momento, o Brasil com os superávits em conta corrente que realizou em meados desta década. Os déficits externos americanos seriam financiáveis porque o dólar continuava a ser a grande moeda reserva mundial. Se havia um desequilíbrio externo, sua causa seria a política cambial inadequada adotada pela China; o problema estaria fora dos Estados Unidos.

Sem dúvida que os saldos comerciais da China frente os Estados Unidos têm sido elevados. Dos atuais US$ 600 bilhões de déficits comerciais, pouco mais de 30% advêm de transações comerciais com a China. Será mesmo que os outros 70% advêm de economias também com moedas desvalorizadas? É fato que a China promoveu grandes desvalorizações cambiais ao longo dos anos 1980 e 1990, assim como que, a partir de 2005 até 2008, promoveu a revalorização de sua moeda, o Yuan. Para se ter uma ideia da intensidade dessa revalorização, de julho de 2005 a setembro de 2008, o Yuan passou por mais de 20% de valorização, em termos reais efetivos, ou seja, em cesta de moeda.

Curiosamente, em 2005, quando do alarde sobre a difícil sustentabilidade dos déficits externos americanos, muitos economistas calculavam que a moeda chinesa deveria se valorizar algo em torno de 25%. Naquele momento, tais déficits chegavam a US$ 860 bilhões, 6% do PIB dos Estados Unidos. Passados os anos, os Estados Unidos seguiam acumulando déficits comerciais com a China, mesmo com a revalorização do Yuan. Pode-se até alegar que as autoridades chinesas estejam ancorando sua moeda ao dólar americano e deixando-a flexível perante uma cesta de moedas. Mas eles têm boas razões para isso. Para agradar os ocidentais, a China não pode entrar em déficit com seus vizinhos. Contudo, jogar o peso dos desequilíbrios externos da economia americana para a China parece desconhecer que tais déficits estão fortemente associados a desequilíbrios no interior da própria economia americana. Os Estados Unidos são amplamente conhecidos por seus "déficits gêmeos", ou seja, déficits externos e fiscais, um contra face do outro, fortemente ampliados a partir de 2001.

De outro lado, se a taxa de câmbio da China estivesse mesmo "desvalorizada" artificialmente, a ponto de ser a causa dos "desequilíbrios globais", a China deveria também gerar superávits comerciais com os demais países asiáticos. Não é isso que acontece. O gráfico mostra o saldo comercial das economias dinâmicas asiáticas, a saber, Japão, Coreia, Malásia, Cingapura, Tailândia e Vietnã, com a China. Dados de taxa de câmbio real efetiva mostram que o Yuan tem sido uma das raras moedas asiáticas a se valorizar. Todas as demais têm se mantido estáveis ou se desvalorizado, por vezes fortemente, como a moeda coreana.

Será então que todos os países asiáticos dinâmicos estariam com suas moedas desvalorizadas? É possível argumentar nessa direção, mas nos parece mais razoável reconhecer que o problema está no consumismo dos Estados Unidos - um consumo duplamente perverso porque além de alimentar o déficit comercial, não tinha base em salários crescentes, mas em dívida crescente das famílias. Depois da crise, o excesso de demanda deriva da política monetária do Federal Reserve Board (Fed) de baixas taxas de juros e dos déficits fiscais do império - duas políticas corretas mas que mostram o tamanho da armadilha em que está metida a maior economia do mundo.

A política americana de gastar mais do que produz era viável enquanto os países em desenvolvimento dependentes ouviam os "sábios conselhos" externos, aceitavam perder o controle sobre a entrada de capitais, se endividavam para "crescer com poupança externa", e deixavam que sua taxa de câmbio se tornasse cronicamente sobreapreciada. Não é mais porque a China e os demais países asiáticos dinâmicos deixaram de ouvir conselhos, controlaram a entrada de capitais, e assim impediram a sobreapreciação crônica de sua taxa de câmbio. Esta, em consequência, mantém-se equilibrada, ou seja, em um nível no qual suas indústrias usando tecnologia no estado da arte mundial são competitivas internacionalmente.

Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)
Márcio Holland professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP)

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