Thursday, January 14, 2010

179) Livro: "O Homem que Amava a China" - Joseph Needham

Biografia:
O inglês que descobriu sua alma chinesa
Paulo Yokota, para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico, 14/01/2010

Livro:
"O Homem que Amava a China" - Simon Winchester. Tradução de Donaldson M. Garschagen.
312 págs., R$ 49,00

Joseph Needham: desvendando um país milenar, uma civilização de conhecimento que se antecipou ao Ocidente

Esta é a extraordinária biografia do bioquímico inglês Noel Joseph Terence Montgomery Needham (1900-1995), que se tornou conhecido por suas pesquisas e escritos sobre a história da ciência chinesa. "Fellow" da Royal Society e da British Academy, e membro da muito exclusiva ordem da Companionship of Honour, honraria que lhe foi concedida pela rainha Elizabeth II, Needham era socialista, ativista, nudista, amante de locomotivas e carros esportivos, mulherengo. Dominava vários idiomas, inclusive o russo e o chinês, corrente e arcaico.

Simon Winchester, geólogo de formação, o autor da biografia de Needham, fundo na pesquisa sobre a vida desse personagem fascinante, que organizou o monumental "Science and Civilization in China", obra em seis volumes, a mais completa enciclopédia sobre o assunto. Needham escreveu dezenas de outros livros e artigos sobre a China. Estava convencido de que o mundo necessitava conhecer mais sobre a Ásia, principalmente a China.

A biografia tem como apêndice a lista de duas centenas de invenções e descobertas chinesas que influenciaram o mundo, com a data da primeira menção, que antecederam as descobertas ocidentais, entre as quais a pólvora, a imprensa e a bússola. A lista inclui ainda a ponte pênsil e até o papel higiênico. O próprio Needham foi um inovador: durante a Segunda Guerra Mundial, utilizou um veículo movido a etanol extraído do melaço.

Needham chegou à China, pela primeira vez, em 1943, na qualidade de conselheiro da embaixada britânica. Foi chefe do Escritório Sino-Britânico de Cooperação Científica durante a Segunda Guerra Mundial. Fez mais de 20 expedições pela China, algumas mais longas, em plena guerra com os japoneses. De Chongqing, capital não ocupada pelo Japão, foi até o Turquestão chinês, na Rota da Seda, ate a Caverna 17, onde tinha sido descoberta em 1907 uma enorme e antiga biblioteca.

Needham chegou à conclusão de que a China era o país que mais descobriu e inventou o que existe de importante para a humanidade, mas deixou de transformar seus conhecimentos em tecnologia para o desenvolvimento.

Após seu retorno para Cambridge, com o término da guerra, Needham reuniu vasto material antigo sobre a China, também com o que lhe foi enviado por acadêmicos e cientistas chineses. Tornou-se amigo de Chou En-lai e de Mao Tse-tung.

Em Cambridge, hoje, o Needham Research Institute, um centro de estudos da ciência, tecnologia e medicina do Leste Asiático, é a sede do Projeto de Ciência e Civilização na China. Encontra-se ali a Biblioteca da História Asiática da Ciência, uma coleção única de livros e outras publicações sobre história da ciência, da tecnologia e da medicina no Leste Asiático. Needham e sua segunda mulher, a chinesa Lu Gwei-djen, tiveram que hipotecar sua casa para dar continuidade aos trabalhos da instituição durante um período. Mesmo com mais de 90 anos, ele viajava para fazer palestras e estimular doações para o instituto.

Recentemente, o governo de Pequim organizou um grupo de intelectuais e arqueólogos para investigar na Europa, principalmente Inglaterra e França, transferências criminosas de peças e documentos do patrimônio histórico chinês feitas depois da Guerra do Ópio. Não é improvável que alguns desses documentos façam parte do acervo do Instituto.

No epílogo do livro, Simon Winchester procura responder à principal pergunta de Joseph Needham: por que a China, com base científica e longa história, a partir do Renascimento e principalmente depois de 1850, deixou de ter o desenvolvimento que ocorreu na Europa ? O autor da biografia procura responder a essa questão e especula sobre o futuro da China.

Quando estive na China, em 1985, um amigo disse: "Vejo vocês preocupados com a pobreza da China. Nós só estamos atrasados nos últimos 150 anos". E mostrou-nos um sitio arqueológico de mais de 6.000 anos a.C.

Na biografia elaborada por Winchester, infelizmente, faz-se pouca descrição e crítica a algo parecido ao macartismo que ocorreu na China durante a Revolução Cultural, e que Needham lamentou. Quando viajei pelo país, vários intelectuais criticavam abertamente as barbaridades cometidas por orientação da Gang dos Quatro, que foram devastadoras, destruindo patrimônios históricos, punindo e matando importantes acadêmicos.

Uma extensa bibliografia sobre a China consta deste livro que não pode deixar de ser lido por todos quantos acompanham o recente desenvolvimento chinês e suas consequências sobre o mundo todo.

Paulo Yokota é economista.

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