Manobra contábil reduz o déficit chinês de 2010
Andrew Batson, de Pequim
The Wall Street Journal, 16/03/2010
O Ministério da Fazenda da China mudou a contabilidade de alguns gastos governamentais de um jeito que permitiu a Pequim anunciar um déficit abaixo do nível simbólico de 3% do PIB para 2010, revela um exame da documentação orçamentária.
A mudança nas práticas contábeis, revelada brevemente num relatório do ministério, ressalta a vontade do governo chinês de exibir finanças públicas saudáveis num momento em que os mercados mundiais estão cada vez mais desconfiados de déficits e endividamentos, em meio a uma crise na Europa precipitada pela incapacidade da Grécia de cumprir o limite de 3% para déficit na zona do euro.
A manobra contábil suscita questões sobre transparência num momento em que o governo chinês, fortalecido pelo bom desempenho econômico do país no auge da recessão mundial, tem se mostrado mais crítico sobre como outros países administram suas economias.
Numa entrevista coletiva anteontem, o premiê Wen Jiabao disse que queria garantias dos EUA de que iriam honrar suas obrigações para com compradores de títulos de dívida americanos. Wen também acusou os EUA de depreciar sua moeda para pressionar a China a permitir que a moeda chinesa se aprecie, isso tudo para melhorar as exportações americanas.
Ontem, um grupo suprapartidário de 130 membros da Câmara dos Deputados dos EUA, numa carta ao presidente Barack Obama, reivindicou um amplo esforço para levar Pequim a mudar sua política cambial, incluindo tarifas sobre importações chinesas em caso de resistência (leia texto abaixo).
As finanças da China, segundo as medidas oficiais, continuam mais saudáveis do que as dos EUA e de vários países europeus, embora autoridades chinesas estejam cada vez mais preocupadas com as dívidas ainda não descobertas de governos locais.
A mudança contábil simplesmente transfere os gastos de um ano para o outro e não indica que a situação geral das finanças governamentais chinesas esteja pior do que divulgado. O Ministério da Fazenda chinês prometeu manter o déficit fiscal abaixo de 3%, mesmo limite da zona do euro.
Num relatório ao Legislativo chinês, o ministério calculou que o déficit total de 2010 será de 2,8% do PIB, "basicamente o mesmo do ano passado". Mas uma contabilidade de caixa rígida dos gastos governamentais aumentaria o déficit de 2010 para 3,5% do PIB previsto e encolheria o déficit de 2009 para 2,2% do PIB, segundo cálculos do Wall Street Journal checados por três economistas.
A Grécia e outros países europeus usaram no decorrer dos anos manobras contábeis para poder atingir suas próprias metas de 3%.
Não está claro por que o governo chinês é tão apegado à meta de 3%. A China não é obrigada a manter o déficit abaixo desse patamar e vários economistas estrangeiros dizem que o governo pode operar mais no vermelho. O país não enfrenta pressão de mercados financeiros mundiais para enxugar as finanças públicas, já que seu enorme montante de poupança faz com que tenha pouca necessidade de tomar emprestado no exterior.
Mas o governo é questionado frequentemente por investidores e pelos próprios chineses sobre se os dados oficiais realmente representam o estado real da economia importante de mais rápido crescimento no mundo.
Num relatório de 2008 sobre transparência das finanças governamentais preparado pela ONG International Budget Partnership, a China recebeu nota 14 de um total de 100, a Índia recebeu 60 e os EUA, 82.
A diferença na contabilidade do déficit de 2010 tem a ver com o tratamento de 260,82 bilhões de iuans (US$ 38,16 bilhões) em gastos dos governos locais, que foram "transferidos" de 2009. Segundo o relatório do ministério, o dinheiro foi alocado para projetos em 2009 mas não foi gasto. Embora o dinheiro vá ser gasto em 2010, ainda é contabilizado como parte do orçamento de 2009.
Em respostas por escrito a perguntas do WSJ, o ministério confirmou que o dinheiro "transferido" não está incluído no orçamento de gastos para 2010.
Não é raro contabilizar as despesas no período em que o compromisso de pagá-las é feito e essa prática, o regime de competência, é empregada na contabilidade usada por várias empresas.
Mas a maioria dos governos, como a China, historicamente tem preferido o regime de caixa, que conta a receita e os gastos só quando o dinheiro é pago ou recebido.
De acordo com esses princípios, a contabilização de todo o dinheiro que o governo realmente vai gastar em 2010 necessita que os fundos sejam "carregados" para os 8,453 trilhões de iuans de despesas orçadas. Isso aumentaria em 260,82 bilhões de iuans o total de 1,05 trilhão orçado para 2010, aumentando o déficit previsto para 3,5% do PIB, em vez de 2,8%.
O verdadeiro déficit orçamentário da China em 2010 pode terminar menor que previsto, já que se baseia numa previsão da fazenda de crescimento de 8% na receita, considerada conservadora demais. O ministério também orçou para um crescimento de 8% na receita do ano passado, quando a expansão na verdade foi de 11,7%.
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