Nacionalismo econômico preocupa múltis na China
Andrew Browne e Jason Dean
Valor Econômico, 18.03.2010
Algumas empresas estrangeiras afirmam que seu relacionamento com a China está começando a azedar, à medida que políticas governamentais mais rígidas e a intensificação da concorrência interna se juntam para deixar um dos mercados mais importantes do mundo menos simpático às multinacionais.
Entrevistas com executivos, advogados e consultores com longa experiência na China apontam para acontecimentos que, segundo eles, estão tornando mais difícil a vida para muitas empresas estrangeiras. Eles dizem que as mudanças sugerem que Pequim está reavaliando a ênfase dada há algum tempo pela China à abertura de sua economia a empresas estrangeiras - cujo maior exemplo são as mudanças que fez para entrar na Organização Mundial do Comércio, em 2001 - e pendendo à promoção de empresas estatais com forte presença.
No mais recente ataque às companhias estrangeiras, as autoridades de uma província rica próxima de Xangai criticaram na terça-feira a qualidade de marcas ocidentais de roupas de luxo, entre elas Hermès, Hugo Boss, Tommy Hilfiger, Versace e Dolce & Gabbana.
Na semana que vem, a Câmara Americana de Comércio da China vai divulgar um novo levantamento com seus membros que, segundo se espera, vai documentar uma queda no otimismo.
Executivos da área de tecnologia dizem que estão altamente preocupados com regras de compras governamentais divulgadas no fim do ano passado, que favorecem fornecedores locais que ofereçam inovação nativa. As regras, se implementadas, podem limitar o acesso estrangeiro a dezenas de bilhões de dólares em contratos para o fornecimento de computadores, equipamentos de telecomunicações, equipamentos de escritório e outros produtos.
Regras de patente impostas desde 1º de fevereiro ameaçam elevar os custos de inovadores estrangeiros na China em setores como o farmacêutico e permitem que autoridades forcem farmacêuticas estrangeiras a licenciar a produção a empresas locais, a preços estabelecidos pelo governo.
Executivos de vários setores dizem que a liberalização promovida pela entrada da China na OMC está estancando. Fabricantes estrangeiras de turbinas eólicas e painéis de energia solar informam que estão sendo excluídos de grandes projetos de energia renovável. Barreiras de regulação limitam na prática a participação no setor de seguros: as empresas estrangeiras só podem ter 4,7% do mercado de seguro de vida na China a partir de junho, e 1% do mercado de seguro comercial, de acordo com a PricewaterhouseCoopers.
Eu sou pró-China e sou a favor de fazer negócios na China, mas tenho sérias preocupações em relação ao que está acontecendo nos últimos 12 meses, disse Fraser Mendel, advogado do escritório americano de advocacia Schwabe, Williamson & Wyatt.
As autoridades chinesas rejeitam as queixas de que o ambiente para as empresas estrangeiras tenha piorado, mas há sinais de que os principais líderes estão reparando nas preocupações.
O ministro chinês do Comércio Exterior, Chen Deming, chamou os principais executivos na China de mais de 20 multinacionais para uma reunião este mês, promovida como uma chance para ouvir questões que sejam motivos de preocupação, disse um participante. Chen prometeu que a China vai continuar resolutamente a abrir seus mercados, mas criticou o protecionismo no Ocidente.
No domingo, o primeiro-ministro, Wen Jiabao, prometeu que a China vai implementar inarredavelmente sua política de abertura. Ele admitiu que seus contatos com investidores estrangeiros não têm sido tão próximos e prometeu aumentar a interação.
Muitos executivos estrangeiros dizem que veem um aumento no nacionalismo econômico, acelerado pelo desempenho superior da China durante a recessão e por um recente desdém pela gestão econômica ocidental.
A crise econômica e a retração deram ânimo àqueles que vinham se opondo aos esforços para liberalizar os mercados, disse Duncan Clark, presidente do conselho da BDA, uma consultoria com sede em Pequim.
Sinais de nacionalismo são evidentes na formação de estatais para dominar seus setores como potências nacionais, geralmente às custas de empresas privadas chinesas, bem como das estrangeiras. De companhias aéreas à mineração, passando por laticínios, as políticas governamentais estão expandindo o papel do Estado em muitos setores.
Um ano atrás, numa ação que críticos estrangeiros chamaram de protecionista, autoridades chinesas vetaram uma oferta da Coca-Cola de comprar a China Huiyuan Juice, afirmando que ela iria sufocar empresas menores e elevar os preços ao consumidor. As duas juntas teriam apenas um quinto do mercado chinês de sucos.
Em julho, quatro executivos da gigante mineradora anglo-australiana Rio Tinto foram detidos, acusados inicialmente de roubar segredos de Estado, em meio a tensas negociações entre mineradoras globais e o setor siderúrgico chinês para determinar o preço do minério de ferro. A Rio Tinto nega que seus homens tenham ferido a lei. Ontem, a empresa e o governo australiano informaram que os executivos irão a julgamento na segunda-feira, respondendo a acusações que foram reduzidas a pagamento de propinas e furto de segredos comerciais.
Os problemas do Google ressaltam o clima de frustração. A empresa de buscas na internet, há muito incomodada com as regras chinesas de censura, ameaçou em janeiro sair da China depois de dizer que um ataque de hackers chineses invadiu sua rede de computadores. Ataques semelhantes atingiram dezenas de multinacionais. O Google deve em breve fechar seu site chinês, Google.cn., deixando que empresas locais dominem um mercado de internet com 400 milhões de usuários.
O problema do Google teve um efeito cristalizador, disse Lester Ross, sócio-gerente em Pequim da firma americana de advocacia Wilmer Cutler Pickering Hale and Dorr. Ele elevou a consciência do governo e dos conselhos de empresas e outras partes interessadas em relação às dificuldades de se fazer negócio na China, diz ele.
Os investidores estrangeiros há muito tempo se queixam do complicado sistema legal e regulatório da China. Mas isso não passava de mera irritação quando a China era um mercado emergente. Atualmente, o enorme mercado chinês é cada vez mais fundamental para a saúde de grandes multinacionais ocidentais. Se perderem lá, dizem executivos ocidentais, essas multinacionais sairão enfraquecidas mundialmente.
Alguns setores não foram significativamente prejudicados. Montadoras, como a Volkswagen e a General Motors, beneficiaram-se enormemente da expansão do mercado chinês no ano passado. Mas a mídia estatal noticiou planos governamentais de aumentar o mercado das marcas nacionais para 50% dos automóveis até 2015, ante 44% no ano passado. (Colaborou Loretta Chao)
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