China começa a sinalizar flexibilização do câmbio
Andrew Batson, Terence Poon e Shai Oster, The Wall Street Journal, de Pequim
Valor Econômico, 08/03/2010
O presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan, que admitiu abandonar, em algum momento não especificado, o atual atrelamento do iuan ao dólar
A China deu o primeiro sinal convincente em anos de que flexibilizará o câmbio, um motivo de crescente tensão com os Estados Unidos, mas não deu muitas esperanças de que vai se acomodar aos desígnios de Washington em relação ao Irã e outras questões espinhosas na política exterior.
O presidente do Banco do Povo da China (o banco central), Zhou Xiaochuan, disse que o país vai em algum momento abandonar sua política atual de câmbio, que descreveu como uma resposta temporária à crise financeira mundial, mas minimizou a expectativa de que as mudanças possam ocorrer no futuro próximo.
Os comentários de Zhou, numa entrevista coletiva no sábado, durante a sessão anual do legislativo chinês, o Congresso Nacional do Povo, podem alimentar nos EUA e em outros países, que estão insatisfeitos com a política monetária chinesa, o otimismo de que Pequim pode começar a deixar o iuan se valorizar, embora não tão rapidamente quanto vários governos estrangeiros gostariam. Os críticos reclamam que o valor depreciado do iuan torna as exportações chinesas injustamente baratas, o que é uma desvantagem para os outros países. O ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, criticou a política cambial chinesa sexta-feira, exatamente por esse motivo.
Numa entrevista coletiva ontem, o ministro das Relações Exteriores da China pareceu desafiar os EUA numa série de outras questões polêmicas. Yang Jiechi afirmou a jornalistas que cabe aos EUA revigorar as relações enfraquecidas entre os dois países, que ele disse que foram prejudicadas pelas vendas americanas de armas a Taiwan e pela reunião do presidente Barack Obama com o líder espiritual exilado do Tibet, Dalai Lama. "A responsabilidade pelas dificuldades nas relações entre China e EUA não é da China", disse o ministro.
Yang reiterou a oposição chinesa às sanções ao programa nuclear do Irã, apesar dos esforços crescentes do governo Obama para conquistar o apoio de Pequim. A Casa Branca mandou na semana passada a Pequim, para discutir o Irã, dois importantes oficiais que lidam com a China, o secretário-assistente de Estado, James Steinberg, e o diretor para a Ásia do Conselho de Segurança Nacional, Jeffrey Bader. Israel enviou uma delegação de alto escalão no fim do ano passado, liderada pelo ministro de Assuntos Estratégicos, Moshe Yaalon, e pelo presidente do banco central israelense, Stanley Fischer, para tentar conquistar o apoio chinês a sanções mais duras contra o Irã.
Yang voltou a enfatizar ontem a velha posição de Pequim, de que "pressões e sanções não resolvem o problema fundamental", e mais uma vez defendeu que se continue a aplicar a diplomacia com o Irã. "Não achamos que os esforços diplomáticos tenham sido exauridos", disse ele.
Os comentários de Zhou sobre o iuan no sábado foram a sugestão mais direta de uma autoridade chinesa até agora de que o atrelamento da moeda chinesa ao dólar não será mantido para sempre. Antes, as autoridades enfatizavam a estabilidade da moeda sem dar maiores detalhes e rejeitavam pressões externas pela valorização cambial.
Zhou disse que a política atual - que manteve a cotação do iuan em relação ao dólar basicamente inalterada desde julho de 2008 (veja gráfico) - foi uma "medida especial" adotada em circunstâncias fora do normal. "Isso é parte de nosso pacote de políticas para lidar com a crise financeira mundial", disse. "Esse tipo de política será retirada cedo ou tarde."
Economistas e operadores do mercado cambial esperam que a China permita que sua moeda, formalmente conhecida como "renminbi", ou "moeda do povo", se valorize perante o dólar em algum momento deste ano. A inflação tem subido na China à medida que a economia se recupera, um problema que muitos economistas dizem que uma moeda mais forte pode ajudar a resolver.
As tensões comerciais também estão aumentando. O atrelamento da moeda ao dólar permite que os exportadores chineses se beneficiem da recuperação recente do comércio mundial, mas atrai críticas crescentes de EUA, Brasil e Europa, assim como dos vizinhos da China. Para os que criticam a política cambial chinesa, a indicação de Zhou de que estuda eliminar o câmbio fixo foi bem-vinda.
"É encorajador que a declaração de Zhou sugira que a flutuação controlada do renminbi vai voltar quando a recuperação mundial se firmar", disse Eswar Prasad, professor da Universidade Cornell, dos EUA, que já comandou a mesa de operações chinesa do Fundo Monetário Internacional. "Manter o câmbio desvalorizado certamente beneficia a China, mas à custa dos outros países, que perdem sua relativa competitividade no comércio mundial."
As declarações de Zhou não necessariamente indicam que seja iminente a mudança na política cambial. O Ministério do Comércio da China enfatizou a necessidade de dar prosseguimento à atual política, especialmente porque a recuperação do setor exportador continua frágil. O premiê Wen Jiabao reafirmou na sexta-feira que a China continuará mantendo o iuan "basicamente estável" - embora esse linguajar seja suficientemente vago para permitir alguma flexibilidade aos líderes chineses. O próprio Zhou disse que isso dependerá da evolução da economia mundial.
"Se abandonarmos as políticas não convencionais e voltarmos às políticas econômicas convencionais, precisamos escolher muito cuidadosamente a hora certa. Isso inclui uma política cambial para o renminbi", afirmou o presidente do BC chinês.
Além de estudar o cenário econômico incerto, Pequim também tem de tomar a difícil decisão de definir exatamente quando eliminar o câmbio fixo. O fortalecimento gradual do iuan seria mais fácil para os exportadores, mas atrairia capital estrangeiro interessado em lucrar com a valorização. Uma valorização rápida, por outro lado, pode interromper esses fluxos de capital, mas prejudicaria fortemente os exportadores.
O clima político no exterior está se tornando cada vez menos receptivo a essas nuanças. O presidente Barack Obama disse no início do ano a senadores democratas que vai "ser muito mais durão" com a China em questões comerciais, incluindo a do câmbio. O Tesouro dos EUA também vai tomar em abril a decisão anual de considerar formalmente ou não a China um país que pratica "manipulação cambial".
As autoridades chinesas sempre reclamaram das críticas externas à moeda, e Zhou disse que é contra o que chamou de "politização" do câmbio. Mas indicou uma certa disposição de resolver problemas cambiais no contexto das discussões do G-20 sobre a manutenção de um crescimento econômico mundial equilibrado.
Zhou enfatizou que a política cambial da China não está definida no longo prazo, porque o país precisa se adaptar às mudanças estruturais em sua economia.
(Colaborou Liu Li)
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