"`O BRIC se tornou o motor da economia mundial`
Entrevista com o Ministro das Relações Exteriores do Brasil,
Celso Amorim - por Wang Xiyi, Chen Hailing e Xiao Xian.
Desde a chegada ao poder do Presidente Lula, a posição e a influência do Brasil no cenário internacional têm tido uma expansão sem precedentes. Para entender a razão disso, não se pode desconhecer o mérito do "arquiteto chefe" da política externa brasileira, o Chanceler Celso Amorim.
Na esfera diplomática, Celso Amorim acumula várias realizações notáveis: em 2003, na Conferência de Cancún da OMC, ele negociou com os representantes dos países
desenvolvidos, em favor do ponto de vista e dos interesses dos países em desenvolvimento; utilizou as vantagens dos biocombustíveis para promover o diálogo e a cooperação com outros países e expandir a influência do Brasil; e, por fim, acolheu favoravelmente o conceito de BRIC, contribuindo para torná-lo um influente mecanismo de cooperação geopolítica. No cenário político internacional, Amorim é ativo e se move com
desenvoltura, fazendo com que mais países escutem a voz do Brasil.
Em 9 de abril de 2010, às vésperas da realização da Cúpula do BRIC, o Chanceler Amorim concedeu, no "Palácio de Cristal" [shuijing gong - como às vezes é chamado o Palácio Itamaraty em mandarim] uma entrevista exclusiva aos repórteres deste jornal, discutindo com franqueza a II Cúpula do BRIC e sua visão sobre as perspectivas para o relacionamento e a cooperação sino-brasileiro.
- A preparação da agenda do BRIC
Diário de Cantão: Como estão os trabalhos preparatórios para a II Cúpula do BRIC?
Amorim: Estão bem. Trata-se de um encontro muito importante, com uma série de reuniões prévias, envolvendo bancos centrais, a comunidade empresarial, acadêmicos. Houve, ainda, uma reunião de Ministros de Agricultura, já realizada.
Vocês talvez já tenham notado que, no Brasil, a Cúpula do BRIC é um tema que desperta muito interesse, e, na capital, por toda parte se pode perceber a atmosfera da Cúpula.
Eu acredito que a Cúpula vai expandir o poder de imaginação das pessoas. O BRIC se tornou o motor da economia mundial.
Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, nos próximos seis anos o crescimento do BRIC responderá por 62% do crescimento global. O G-7 responderá por apenas 12%.
Diário de Cantão: Como Chanceler anfitrião, o que espera desta Cúpula?
Amorim: Este é a segunda vez em que se realiza uma Cúpula do BRIC, é um processo de consolidação da cooperação. Acredito que o encontro dos líderes dos países do BRIC tem um significado muito importante, porque eles podem definir a agenda futura.
Na área econômica, o BRIC se tornou um grupo de grande influência. Para dar um exemplo do grau de importância do grupo, os quatro países, reunidos, tem poder de veto no FMI. Em outras áreas, como mudança climática, o BRIC terá um poder de voz cada vez mais elevado.
Mas, a meu ver, há um outro assunto que aguarda discussão: o da segurança comercial. Acho que cada país ainda não considerou a fundo a situação de fato, talvez por se tratar
de uma questão sensível. Também espero que os líderes do BRIC possam discutir uma série de problemas do mundo atual.
Diário de Cantão: Haverá uma terceira Cúpula do BRIC no ano que vem? Se houver, qual país a sediará, e em que data?
Amorim: Espero que sim, mas, neste momento, não sei quando, exatamente. Caberá aos líderes do BRIC decidir. Uma vez que a primeira e a segunda cúpulas ocorreram na Rússia e no Brasil, é notável que a óbvio que a terceira deve ser num país asiático. Estamos esperando o convite (risos).
Diário de Cantão: Qual será o papel do BRIC na recuperação da economia mundial?
Amorim: No ano passado, as economias da China e da Índia preservaram seu crescimento. A economia brasileira, embora não tenha crescido, pelo menos não se retraiu. A previsão é de que o PIB brasileiro tenha crescimento de 5% ou 6% neste ano. Isso sem dúvida terá impacto relevante na economia mundial. Em certa medida, enquanto os países desenvolvidos se recuperam com dificuldade, o BRIC ajuda a economia mundial e sustenta o comércio global. Sem o BRIC, estaríamos em pior situação.
Tome o Brasil como exemplo. Nos últimos 8 anos, o valor total do intercâmbio comercial entre o Brasil e a China, a Índia e a Rússia se elevou de US$ 10 bilhões para US$ 50 bilhões, isto é, quintuplicou. No ano passado, a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil. 6 ou 7 anos atrás, as exportações do Brasil para os EUA e a União Européia respondiam por 28% ou 30% do total. No momento presente, as exportações para os EUA tiveram uma redução relativa, atingindo 10% do nosso total, enquanto as exportações para a China, a Índia e outros países se elevaram, em termos relativos. Acredito que se trata de uma tendência que continuará avançando, assim como o BRIC.
Diário de Cantão: Tornou-se mais elevada, no cenário internacional, a voz dos países com mercados emergentes?
Amorim: É certo. Os países com mercados emergentes têm elevado sua voz, gradualmente. O G-20 já suplantou o G-7 ou o G-8 como plataforma para a condução do diálogo em matéria de assuntos econômicos internacionais.
Além do BRIC, México, Argentina e África do Sul e outros também participam das discussões com os países desenvolvidos, o que nos permite obter um bom equilíbrio. Isso é muito importante. Mas não podemos esquecer que esses países não representam o mundo inteiro.
Como quer que seja, decisões importantes devem ser tomadas em plataformas mais amplas, como a Assembléia Geral das Nações Unidas. Quero dizer, o BRIC é importante, mas no processo de intercâmbio e de comunicação ainda temos de manter um atitude
calma e modesta, sem levar em consideração unicamente os interesses de nosso próprio país.
`O mercado interno do Brasil é seu "escudo" de defesa contra a crise`
Diário de Cantão: Como foi a recuperação do Brasil em meio à crise financeira e econômica? Quais as políticas domésticas de maior sucesso?
Amorim: Acredito que três fatores foram de grande valia para o Brasil. Em primeiro lugar, há a decisão do Governo de promover políticas públicas que assegurem melhor distribuição de renda e redução das disparidades sociais. Essas políticas têm o condão de consolidar o mercado interno, que é o principal "escudo" de defesa do Brasil contra os efeitos da crise. Antes, muitas pessoas não dispunham de poder aquisitivo, mas, hoje, podem comprar aparelhos de televisão e outros bens, e isso mantém a economia do país.
O segundo fator foi que, antes da crise, o Brasil já havia diversificado suas relações comerciais, com a China, a Argentina, outros países da América do Sul. As exportações do Brasil se tornam crescentemente importantes até mesmo para países árabes e africanos. O comércio com os EUA e a União Européia se tornou menos importante, em termos relativos.
Claro, nossas exportações continuam, como antes, a ser direcionadas para todos esses países, mas a participação dos países em desenvolvimento atingiu mais ou menos 53%, 54%. Há 8 anos apenas, essa porcentagem era menor. Recentemente, as exportações vêm se expandindo com velocidade, sobretudo as exportações para os países em desenvolvimento. Esse é outro elemento importante no enfrentamento da crise.
O terceiro fator é a grande estabilidade do nosso sistema financeiro. A reforma do nosso sistema financeiro foi concluída anos atrás. Temos bancos estatais muito fortes, que
podem prover apoio fundamental aos pequenos bancos nos momentos em que o sistema bancário atravessa uma crise. Essas instituições estão em condições de apoiar de maneira consistente os pequenos bancos e conceder empréstimos à indústria, à agricultura e aos consumidores mais humildes.
Diário de Cantão: Há problemas por resolver?
Amorim: Claro que sim. O Rio de Janeiro sediará a Olimpíada de 2016. Temos muito a aprender com a Olimpíada de Pequim. Um dos nossos problemas é a necessidade de melhorar a infra-estrutura, especialmente no que se refere a energia, transporte e portos.
Além disso, o Brasil também enfrenta importantes desafios para o desenvolvimento dos biocombustíveis e a redução da pobreza.
Diário de Cantão: Como o Senhor avalia a situação econômica da China?
Amorim: É incrível o desenvolvimento econômico da China. Estou seguro de que a China continuará a ser um dos motores do crescimento econômico mundial, e o principal deles, dentro de alguns anos.
- Comentário dos jornalistas: conheça o "melhor Chanceler do mundo"
Devido a uma visita do Presidente do Chile, nossa entrevista exclusiva com o Ministro Celso Amorim sofreu um adiamento de última hora, o que nos deixou muito preocupados, achando que não teríamos sucesso...
Quando chegamos ao Ministério das Relações Exteriores, os Presidentes do Brasil e do Chile davam uma coletiva de imprensa. Em meio a vários altos funcionários, reconhecemos de longe o Ministro Amorim. Antes de encontrar o Ministro brasileiro pessoalmente, as fotos nos haviam transmitido a impressão de um senhor cordial e simples, que não mantém as pessoas a uma distância cerimoniosa.
Perguntamos a uma das assessoras de imprensa do Ministério das Relações Exteriores, Lilian, se seria necessário reduzir o tempo da entrevista, já que o Ministro estava muito
ocupado. A resposta de Lilian foi a seguinte: "De jeito nenhum. Podem conversar com o Chanceler livremente". No final, a entrevista, que seria de uma hora, durou uma hora e
meia. Durante o encontro, o Chanceler escutou atentamente as perguntas, respondendo-as com energia. Os verbos que mais empregou na entrevista foram "talk", "discuss" e "meet" [em inglês no texto] - todas com um mesmo sentido comum:
"comunicar".
"Comunicar" é a idéia-chave da forma como Amorim conduz a política externa brasileira. Ele a põe em prática todos os dias, pessoalmente. Comunica-se com líderes de vários países, comunica-se com brasileiros comuns, e comunica-se com jornalistas que, como nós, viemos da remota China. Ele se esforça para escutar o maior número possível de vozes, e também se esforça para fazer com o que o maior número possível de pessoas escutem a voz do Governo brasileiro.
Sobre a honra de receber da revista americana "Foreign Policy" o título de "melhor Chanceler do mundo", Amorim comentou com tranqüilidade: "Não sou um político, mas um diplomata profissional". De fato, "melhor Chanceler do mundo" talvez seja apenas uma opinião particular. Mas as características nele percebidas pelos jornalistas - franqueza, entusiasmo, sabedoria e lucidez - são a melhor demonstração do conceito de "diplomata profissional".
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