O comércio exterior na universalização da Política Externa Chinesa no século XXI
Diego Pautasso
Mundorama, 12 de Dezembro de 2009
A China deverá tornar-se o maior exportador mundial em 2009, superando a Alemanha, já que a crise financeira afetou mais profundamente o comércio exterior do país europeu. O objetivo deste artigo é justamente buscar compreender como o comércio exterior tem sido fundamental no processo de universalização da Política Externa da China (PECh) no século XXI. Em outras palavras, como a China tem utilizado o comércio exterior para promover o desenvolvimento e, consequentemente, para realizar a conversão do país à condição de potência mundial. Para tanto, se faz necessário compreender o movimento de universalização da PECh assim como o papel exercido pelo comércio exterior na projeção internacional do país oriental.
Sendo assim, é preciso compreender quais foram as forças que motivaram o movimento de universalização da Política Externa Chinesa (PECh) na virada do século XX-XXI. Primeiro, no campo diplomático, o fim da Guerra Fria, e o consequente colapso do campo socialista, coincidiu com a repressão na Praça da Paz Celestial em 1989, forçando a a diversificação das relações exteriores da China para evitar o isolamento promovido pelos EUA e o restante do Ocidente. Ou seja, a intensificação das relações com os países periféricos (diplomacia zhoubian), cujas relações sino-angolanas são as maiores expressões deste êxito (PAUTASSO, 2009a), revelam a resposta da diplomacia chinesa ao quadro de ofensiva de poder dos EUA, bem ilustrado pela Guerra do Golfo.
Segundo, no campo econômico, o crescimento econômico acelerado após às Reformas (1978) impulsionou a ampliação e diversificação do fornecimento de recursos naturais. Cabe destacar as importações de petróleo, que começaram em 1993 e atualmente (2008) a China já é o segundo maior consumidor (7,999 mbd) e o terceiro maior importador (4,204 mb/d) do mundo, com uma dependência de 55% em relação à demanda doméstica (PAUTASSO, 2009b). Terceiro, o desenvolvimento chinês tem ampliado a renda e fortalecido o mercado interno, de modo que o comércio exterior chinês tornou-se crucial para a economia mundial. Quarto, o desempenho macroeconômico gerou crescentes acúmulos de capitais, ampliando a capacidade financeira do país em realizar investimentos diretos, fornecer créditos e financiar grandes economias, como a dos EUA através da compra de título do Tesouro. Quinto, o desempenho da China tem permitido ao país aproveitar as brechas geradas pelo fim da Guerra Fria, uma vez que relacionam-se movimentos contraditórios de unipolarização conduzidos pelos EUA e de multipolarização, expressos pelas relações Sul-Sul e pela projeção dos emergentes, como Brasil e Índia.
Em outras palavras, o governo da China respondeu de forma ativa aos constrangimentos internos, como a crescente demanda por recursos e por mercados exteriores, e às mudanças internacionais decorrentes do fim da Guerra Fria, evitando o isolamento através de sua enorme capacidade comercial. Portanto, a universalização da Política Externa Chinesa tem sido o resultado da conversão do país em potência de escala mundial, ao utilizar-se da ampla capacidade econômica-financeira como instrumento central de sua diplomacia. Este instrumento traduz-se na capacidade de absorção do mercado interno chinês, bem como no crédito abudante e em excelentes condições, de modo que o país oriental coloca-se como alternativa às condicionalidades macroeconômicas e institucionais impostas pelo Ocidente e por organizações que possuem ascendência (como o FMI).
Na verdade, desde a política de Reforma de Abertura (1978) desencadeada por Deng Xiaoping, a inserção comercial da China é a propulsora do desenvolvimento nacional. O acelerado desenvolvimento após a década de 1970 esteve baseado numa modernização e abertura conduzidas pelas políticas de Estado do Partido Comunista (CASTELLS, 1999, p. 349). Dessa forma, as relações externas foram determinantes na internalização de processos produtivos avançados (RANGEL, 2005), no caso da China, impulsionando a assimilação de tecnologias, métodos de gestão e acumulação de excedentes de capitais.
Com efeito, o comércio exterior chinês passou de 38 bilhões de dólares em 1980 para 2,559 trilhões em 2008, com um crescimento de mais de 67 vezes em menos de três décadas. Em razão disso, a China aumentou sua participação no comércio internacional de 1,02% em 1980, para 3,66% em 2008, chegando a 6,9% em 2008 (Euromonitor, 2009). O projeto de desenvolvimento através de uma ofensiva política de comercial fez a participação das exportações de bens e serviços passar de 3% do PIB em 1970, para 19% em 1990, e alcançar 43% em 2007 (World Development Indicators). Em 2008, houve um recuo da participação das exportações para 35% do PIB, devido à desaceleração do comércio internacional gerada pela crise financeira global e ao crescimento do mercado interno chinês gerado pelos investimentos estatais anti-crise de quase 600 bilhões dólares, concentrados em infraestrutura e em expansão do crédito voltada à redução da capacidade ociosa do setor produtivo.
Estes dados que ilustram a evolução da China no comércio internacional, devem garantir ao país o posto de maior exportador e terceiro maior importado em 2009. Na verdade em 2008, a China já havia alcançado o valor de 1,43 trilhão de dólares em exportações, chegando bem próximo do maior exportador mundial, a Alemanha, que exportou 1,47 trilhão de dólares. Trata-se de uma tendência de ascensão da China na hierarquia dos negócios internacionais, uma vez que em 1997, o país ocupava a 16ª colocação, com exportações de 24,5 bilhões de dólares, passando para a 5ª posição em 2002, com exportações de 325 bilhões, segundo a OMC.
Além da progressão nas exportações, houve uma igualmente notável progressão no conteúdo da pauta de exportação chinesa. Já em 2006, a China havia ultrapassado os EUA como o maior exportador de produtos de alta tecnologia, com valores de 343,9 bilhões de dólaress em comparação com os 323,8 bilhões dos norte-americanos, segundo a OCDE. Atualmente, cerca de 30% das exportações chinesas são constituídas de manufaturados de alta tecnologia. Importante lembrar que estes dados não contabilizam Hong kong e Macau, parte da China desde 1997 e 1999, respectivamente, tampouco a ilha de Taiwan, que estão completamente integrados à economia chinesa.
Dessa forma, a China torna-se um centro gravitacional no comércio internacional, em substituição a antigas potências Ocidentais e, sobretudo, os EUA. Por isso, a economia chinesa tornou-se o principal parceiro de tradicionais aliados dos EUA (como Japão e Coréia do Sul) e de grandes economias dos BRIC’s (como Índia e Rússia). No caso do Brasil, 2009 será justamente o emblemático ano em que a China tornar-se-á o maior parceiro comercial, ultrapassando os EUA depois de décadas.
Dessa forma, a projeção econômico-comercial da China cria condições objetivas para a universalização da PECh e para conversão do país em potência mundial. Este movimento dá-se através de um papel mais assertivo da diplomacia chinesa nos organismos internacionais e, consequentemente, na política internacional, como ilustram a criação do Fórum de Cooperação China-África (PAUTASSO, 2009c), da Organização para a Cooperação de Shangai (2001) e da ASEAN +3 (1997); o ingresso na OMC (2001); o envolvimento em novos grupos como o G20 (1999) e o BRIC (2008). Com isso, a China tem buscado, dialeticamente, 1) preservar a estabilidade inteernacional, 2) alterar a correlação de forças do sistema internacional e 3) garantir uma segurança para seu desenvolvimento e inserção internacional.
Partindo-se da premissa que as relações econômicas internacionais criam condições objetivas para a projeção política de um país no cenário internacional, a China inegavelmente está criando condições para sua ascensão ao status de potência mundial no contexto de transição sistêmica. Em razão do crescimento da renda per capita (que ainda é baixa) e da evolução da urbanização, o fortalecimento do mercado interno e do comércio exterior permitem à China exercer seu poder gravitacional sobre outros países, deslocando o poder das grandes potências e impulsionando a reconfiguração do sistema internacional.
Portanto, o comércio exterior da China revela o seu formato de desenvolvimento e de inserção internacional, ao mesmo tempo em que o mercado interno é justamente o que permite ao país explorar tal potencial. Nesse sentido, o comércio exterior foi, de um lado, a base para a modernização desencadeada pós-1980, através da captação de investimento externo, tecnologias, capacidade gerencial, e, de outro, para a projeção diplomática no século XXI, pois criou condições para a utilização da capacidade financeira e comercial como instrumento da universalização da PECh e de transformação da ordem mundial.
Referências bibliográficas
CASTELLS, Manuel. Fim de Milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
PAUTASSO, Diego. As relações econômicas internacionais entre China e Angola. In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais. Brasília-IBRI, vol. 109, p. 23-25, 2009a.
PAUTASSO, Diego. Os desdobramentos internacionais do desenvolvimento e da demanda por petróleo na China. In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais. vol. 109, p. 23-25, 2009b.
PAUTASSO, Diego. A política externa chinesa e a 4ª Conferência do Fórum de Cooperação China-África-2009. In: Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais. vol. 112, 2009c. Disponível em: http://meridiano47.info/2009/11/28/a-politica-exerna-chinesa-e-a-4%C2%AA-conferencia-do-forum-de-cooperacao-china-africa-2009-por-diego-pautasso/
RANGEL, Ignácio. Obras reunidas. 2 vol. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.
Diego Pautasso é Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é pesquisador do Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT-UFRGS) e professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM (dpautasso@espm.br).
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Eu gostei deste artigo e acredito que este blog contribuirá para um maior interesse da academia pelas relações entre Brasil e China e, também, para que se compreenda a necessidade de se abrir novos caminhos que levam a multilateralidade e que podem aumentar as possibilidades de negócios favorecendo o mercado brasileiro. Isso tem consequências não só econômicas e finaneiras, mas também, sociais (pois a busca por novos mercados aumenta o nível de emprego, pelo menos teoricamente). Apenas tenho algumas preocupações em relação à questão da pirataria e gostaria de ver algum post esclarecendo, a nós acadêmicos, neste sentido.
ReplyDeleteParabéns mestre por mais esta iniciativa que só nos beneficia na construção de nosso conhecimento.