Tuesday, November 10, 2009

77) Reestatizacao na China: criticas de economista chines

China vive ciclo de reestatização
HUANG YASHENG
RAUL JUSTE LORES - DE PEQUIM
Folha de S. Paulo, 01/11/2009

Um dos mais influentes estudiosos do país afirma que controle do governo e de estatais asfixia economia

A CHINA VIVE um processo de reestatização que prejudica o empreendedorismo local, segundo um dos mais influentes economistas do país. "A China continua em crise, pois a qualidade desse crescimento de 8% em 2009 não é boa nem sustentável", diz Huang Yasheng, professor de Economia Política na Escola de Gerenciamento Sloan do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e professor convidado da Universidade Tsinghua, onde estudaram o presidente Hu Jintao e boa parte da elite comunista. No ano passado, Huang escreveu "Capitalism with Chinese Characteristics" (capitalismo com características chinesas), considerado um dos dez melhores livros do ano pela "Economist".
No livro, o professor afirma que há um controle asfixiante das grandes estatais e da estrutura do Partido Comunista na economia do país e que vai levar muito tempo para que o mercado doméstico chinês substitua o peso das exportações. Nascido em Pequim, ele conversou com a Folha em uma de suas três viagens anuais à sua cidade natal.
CRISE CONTINUA
Se você conversa com banqueiros ou economistas de bancos ou fundos de investimento, a China está ótima e pouco sofreu com a crise. Mas, se você fala com chineses comuns, com empresários, com quem está fora das grandes estatais, a crise continua. O consumo de eletricidade caiu 50% para as pequenas e as médias empresas.
Há deflação, e dois terços dos empréstimos concedidos foram dados às companhias estatais e aos governos provinciais.
O pacote de estímulo foi bem-sucedido no combate ao desemprego. Boa parte dos migrantes rurais que perderam o trabalho em 2008 já se recolocou, e há um aspecto positivo na alta dos investimentos na China rural. Mas muitos trabalhadores tiveram de aceitar salário menor para se recolocar.

MERCADO DOMÉSTICO
A curto prazo, a China não vai conseguir substituir seu mercado externo por um mercado doméstico. O governo é rico, as empresas estatais não sabem onde gastar, mas a sociedade ainda é pobre.
O consumo doméstico representa 60% do PIB do Brasil, 55% do da Índia e mais de 70% do PIB dos EUA. Na China, não chega a 30%. Por isso, o governo continua a subsidiar as exportações chinesas e a comprar dólares. Porque não tem como compensar a crise externa com o mercado interno. Guerras comerciais surgirão em vários países para conter as exportações subsidiadas chinesas.
O governo chinês precisa começar urgentemente uma distribuição de renda de bilhões de dólares, como um Bolsa Família, pelo menos para a população rural do país.

CONCENTRAÇÃO
Os arranha-céus e os prédios moderníssimos que são vistos em qualquer grande cidade não são a prova do dinamismo, e, sim, o sintoma do que está errado no modelo. Se a nova ópera de Pequim custou US$ 400 milhões e a nova sede da CCTV custará cerca de US$ 1 bilhão, vemos que há excessiva concentração de poder e dinheiro.
Ao mesmo tempo, as escolas de Sichuan viraram pó após o terremoto porque foram construídas com material barato. Há milhões de metros quadrados vazios em qualquer grande cidade chinesa, em uma evidente bolha imobiliária.

REESTATIZAÇÃO
Nos anos 1960 e 1970, Brasil, Índia e México tiveram uma política industrial estatista e centralizadora, que lembra muito o atual modelo chinês. E foi um fracasso. A China foi muito mais bem-sucedida nos anos 1980, quando tinha uma economia mais aberta, a prioridade era gerar milhões de empregos e o empreendedorismo floresceu.
Na última década, parte dessa liberdade se perdeu, o Estado avançou, voraz, em todas as áreas. Nos anos 80, havia mais crédito para os pequenos empreendedores que hoje, quando os bancos são muito mais ricos. Há um retrocesso na abertura econômica chinesa.

ARMADILHA EM DÓLAR
A China entrou em uma armadilha ao comprar tantos dólares, tantos títulos da dívida dos Estados Unidos [US$ 2,3 trilhões, as maiores reservas globais em moeda estrangeira] e não tem como sair dela tão cedo. Comprou tantos dólares e criou reservas internacionais tão monumentais que, se deixar de comprar dólar, vai enfraquecer seu valor e perder parte de sua riqueza. Virou uma droga da qual a China não pode largar, é dependente da política norte-americana.
Os bancos só não implodem porque têm um público cativo. Como há diversos controles para a entrada e a saída de dinheiro no país, os bancos estatais são a única fonte de poupança para milhões de chineses, especialmente os 200 milhões de migrantes rurais, os que mais poupam. Eles não sabem investir na Bolsa de Valores. Mas, se amanhã todos fossem aos bancos chineses pedir seu dinheiro de volta, veriam que esse dinheiro não existe, foi emprestado para alguma grande empresa estatal.

HORA DO BRASIL
Para a China, o Brasil é ferro, é soja, é uma fonte de recursos naturais de que ela desesperadamente precisa. Mas, por conta da recessão nos países ricos, a China começa a despertar para o Brasil como um mercado alternativo para seus produtos.
O Brasil poderá tirar muitas vantagens dessa situação, se souber negociar. Mas, para isso, precisa entender a China. Contaram-me que não existe um único centro de estudos sobre a China nas universidades brasileiras, o que é um espanto. Qualquer boa universidade americana, europeia ou asiática já tem um bom centro com sinólogos há anos. Todas as vezes em que estive no Brasil fui convidado por seminários empresariais, nunca pela academia.

PRIORIDADES CERTAS
O governo de Hu Jintao e Wen Jiabao é um avanço monumental em relação ao governo anterior, de Jiang Zemin, que criou esse modelo estatista e de alguns poucos enriquecendo muito. As prioridades de Hu Jintao, "sociedade harmoniosa, desenvolvimento científico e energia eficiente", são as corretas e até acho que ele tem feito a coisa certa quanto a priorizar a economia rural. Mas é muito pouco. Os chefões de estatais e Províncias, que ganham com o atual modelo, não querem nenhuma mudança.

"MADE IN CHINA"
O capitalismo chinês ainda tem um lado obscuro, no aspecto ético. Quando Japão, Coreia do Sul e Taiwan estavam na fase de dentição, também faziam produtos com defeitos, de má qualidade, por falta de conhecimento. Na China, continua-se fazendo produtos defeituosos ou perigosos só por economia, por má-fé.
O Japão e a Coreia do Sul criaram marcas fortes, enquanto a China ainda patina. Se há um problema em um produto da Sony, não afetará todos os produtos japoneses. Mas, quando há um leite contaminado, uma boneca tóxica, uma parede de gesso ou um creme dental contaminado, é todo o "made in China" que é afetado.

EDUCAÇÃO
Uma das maiores razões do crescimento chinês, a que poucos dão crédito, é que, nos últimos 50, 60 anos, investimos muito em educação, da base à universidade. É o que nos aproxima dos modelos japonês, sul-coreano ou taiwanês. Mesmo nos anos Mao, é preciso reconhecer, a educação de base foi prioritária e melhorou muito. Quando a economia se abriu, tínhamos uma força de trabalho já educada. Qualquer pesquisa internacional vai dizer que você é melhor empregado, é melhor gerente ou é melhor empreendedor se passou vários anos por uma escola de qualidade. Essa é uma vantagem.
SOCIEDADE POBRE
O crescimento da renda da população rural na China se desacelerou para menos da metade do que era na década de 1980. O sistema de crédito rural desmoronou nos anos 1990. Nos 1980, 30% dos lares rurais tinham acesso a algum tipo de crédito; na década passada, o número encolheu para 10%.
Nos anos 1980, o governo representava 10% das vendas no varejo e hoje responde por 30% do total. Enquanto o consumo dos lares chineses, que era de 47% do PIB em 2000, caiu para 33% em 2007. Hoje não deve chegar a 30%. Esse consumo doméstico é menos da metade que o dos lares norte-americanos ou australianos e pelo menos 20 pontos percentuais abaixo dos de Brasil, Índia e África do Sul.

MAIS ABERTURA
Acho que o capitalismo chinês já está forçando uma abertura política. É normal que a imprensa se detenha nos casos de censura e injustiça, mas opiniões divergentes são cada vez mais ouvidas na China, mais do que há dez ou 20 anos. A discussão na internet já está instalada, e casos notórios de corrupção ou injustiça acabam sendo revelados e julgados por conta da repercussão na rede. O próprio pacote de estímulo foi bastante criticado em artigos, entrevistas e blogs. Parece pouco, mas é um importante passo.

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