Friday, November 13, 2009

82) China, EUA, desenvolvimento comparado

Nova ordem: Analistas creem na emergência de um mundo multipolar, mas não na débâcle total americana
EUA decaem, mas China ainda não é páreo
Valor Econômico – pág. A16
John Plender, Financial Times
13/11/2009

Com o presidente Barack Obama iniciando uma viagem por capitais asiáticas, a suposição corrente no Ocidente é de que ele vai se encontrar com líderes de países tidos como parceiros inferiores aos EUA. Mas, a realidade é mais complexa. Em meio aos escombros da crise financeira, a posição dos EUA de superpotência e líder da economia mundial parece cada vez mais ameaçada.

Em especial, quando ele chegar a Pequim, no domingo, nada conseguirá disfarçar o fato de que Obama estará fazendo uma visita ao maior credor de seu país.

Aqueles que ficam satisfeitos com o desconforto dos EUA observam que esse colosso econômico global carrega o maior endividamento internacional do mundo e vem sendo abalado por uma moeda em desvalorização. É consenso geral que a China é a principal beneficiária de uma débâcle financeira e uma séria desafiante à hegemonia dos EUA.

Como o poder econômico frequentemente anda de mãos dadas com o poderio militar, essa mudança no poder econômico, juntamente com a fraqueza recente do dólar, vem sendo proclamada como um prenúncio do declínio americano. Esse clima é descrito de maneira primorosa por Fareed Zakaria em seu mais recente livro de sucesso, "The Post-American World And The Rise Of The Rest" ("O Mundo Pós-Americano", Companhia das Letras). Assim veio a referência de Obama, em seu discurso de posse, de "um enfraquecimento da confiança em nosso país; um temor incômodo de que o declínio da América é inevitável, de que a próxima geração terá que reduzir suas esperanças".

Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve (Fed) e conselheiro do presidente, declarou em uma entrevista recente à PBS, a rede de televisão pública dos EUA, que a ascensão dos mercados emergentes é "simbólica da menor posição dominante relativa dos EUA, não só na economia, mas também na liderança intelectual e de outras formas".

Os bancos centrais dos países em desenvolvimento estão esfregando sal nas feridas do gigante enfermo. O Reserve Bank da Índia juntou-se, na semana passada, aos bancos centrais de China, Rússia, México e Filipinas na decisão de aumentar suas reservas em ouro, em detrimento dos títulos denominados em dólar. Um verdadeiro coro de formuladores de políticas de países que estão com superávit em conta corrente declarou que a posição do dólar como moeda de reserva é insustentável.

A essa altura, é importante lembrar que já estivemos aí antes. No fim da década de 80, Paul Kennedy, da Yale University, chocou o mundo com sua afirmação, em "The Rise And Fall Of The Great Powers" ("Ascensão e Queda das Grandes Potências", Ed. Campus), de que "a única resposta à questão cada vez mais discutida da capacidade dos EUA de preservar ou não sua atual posição é 'não'".

Esse veredito pessimista surgiu na época do crash do mercado de ações, em 1987, quando houve uma preocupação contínua com os déficits gêmeos dos EUA e os déficits em conta corrente. O país havia se tornado um devedor internacional pela primeira vez e dependia crescentemente da entrada de capital europeu e japonês. Um Japão extremamente confiante estava em ascensão. O sentimento de decadência chegou perto da histeria nos EUA quando empresas japonesas compraram o Rockefeller Center, em Nova York, a Columbia Pictures, em Hollywood, e o campo de golfe de Pebble Beach, na Califórnia. "Quem é o dono da América?", exigiu saber a ABC News.

De certa forma, a tese do professor Kennedy estava certa. Com a China, a Índia e os outros mercados emergentes alcançando o mundo desenvolvido, os EUA deverão sofrer um declínio econômico relativo, na forma de uma parcela menor do PIB mundial, mesmo com o país crescendo mais do que a maioria das grandes economias desenvolvidas e ainda sendo a maior economia do mundo em termos absolutos.

A globalização e a liberalização doméstica estão dando a esses países em desenvolvimento a chance de obter uma participação no PIB mundial proporcional ao seu tamanho na história. O desempenho econômico da China antes de 1978 era, afinal de contas, uma aberração vista a partir de uma perspectiva de séculos.

Em um estudo sobre as maiores economias, Angus Maddison, da Universidade de Groningen, calcula que a a participação da China no PIB mundial em 1820, antes de a Revolução Industrial na Europa ganhar força, era de mais de 30%, o que é bem mais do que a participação atual dos EUA. Assim, um retorno a algo mais normal pode estar a caminho.

Mas a tese de Kennedy parecia errada ao sugerir que os EUA talvez tivessem ampliado demais o seu império, ao ponto de não conseguirem mais administrá-lo, como aconteceu com a Espanha no século XVII e o Reino Unido no século XX. O caso mais óbvio de incapacidade de administração da década de 80 foi na verdade a União Soviética, que entrou em colapso, enquanto os EUA foram bem-sucedidos logo depois no restabelecimento de seu equilíbrio orçamentário, durante o governo Clinton, sem um recuo integral em seus compromissos internacionais.

Enquanto isso, o desafio econômico japonês perdeu o passo com o estouro das bolhas imobiliária e acionária, e o país se viu ameaçado pela deflação. O pânico da mídia americana com a invasão japonesa se mostrou um indicador perfeito, ainda que involuntário, de um ponto de virada.

A questão agora é se a tese da incapacidade de administração do império estava errada ou era simplesmente prematura. Mesmo assim, prever os períodos de ascensão e queda de nações e economias é uma coisa notoriamente difícil. Charles Kindleberger, o falecido historiador econômico, foi um dos muitos que acreditavam que a vitalidade nacional se movimentava em um ciclo de vida. Entre as causas internas do declínio identificadas por ele, estavam o aumento do consumo, a queda da poupança, a resistência à tributação, a desigualdade, a corrupção, grandes endividamentos e as finanças se tornarem mais dominantes na economia do que a indústria.

Mesmo que isso bata com as atuais circunstâncias, é preciso observar que muitas dessas coisas também estavam presentes nos EUA em 1929, quando a crise financeira coincidiu com a longa transição da hegemonia econômica do Reino Unido para os EUA. Quando Kindleberger escreveu "World Economic Primacy 1500-1990", em 1996, ele acreditava que os EUA estavam decaindo. Mas ele não tinha ideia de qual país provavelmente surgiria como a próxima potência econômica mundial, e tinha a China apenas como "azarão" para o posto.

O argumento mais poderoso de apoio à hipótese da decadência envolve o que o professor Kennedy chamava de "tarefa antiga de relacionar as intenções nacionais às finalidades nacionais". Como há uma correlação significativa de longo prazo entre a capacidade produtiva e a capacidade de aumentar as receitas, e o poderio militar, muita coisa depende da sustentabilidade da política fiscal. Aqui, os prognósticos não são bons para os EUA.

Sob as pressões gêmeas da crise financeira e do problema de longo prazo do envelhecimento dos "baby boomers", as projeções oficiais apontam para déficits orçamentários numa escala sem precedentes. O Peterson Institute for International Economics, de Washington, estima que, depois de chegar perto de US$ 1,5 trilhão no ano fiscal corrente - mais de três vezes o recorde anterior -, o déficit provavelmente ficará perto de US$ 1 trilhão ao ano até 2020 ou além.

Da perspectiva do fluxo de recursos que entra na economia, a contrapartida desses déficits será em grande parte encontrada na conta corrente do balanço de pagamentos. Aqui, o instituto calcula que o déficit em conta corrente poderá subir de um recorde anterior de 6% do PIB para surpreendentes 15% ou mais até 2030, o equivalente a mais de US$ 5 trilhões por ano. Ele avalia que a dívida externa subirá dos atuais US$ 3,5 trilhões para até US$ 50 trilhões, ou 140% do PIB, no mesmo período.

Esses números representam um desafio assustador para o governo Obama e uma ameaça evidente ao dólar, uma vez que há um volume muito grande de reservas em dólares em mãos estrangeiras. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que, do fim de 2000 até metade de 2009, as reservas internacionais subiram de US$ 1,9 trilhão para US$ 6,8 trilhões, dos quais US$ 2,3 trilhões estão sendo mantidos pela China. Mais de 60% dessas reservas estão em dólares.

A retórica chinesa recente, que inclui um pedido para a substituição do dólar como principal moeda de reserva do mundo por direitos especiais de saque (uma unidade contábil usada pelo FMI no trato com seus membros), sugere uma perda preocupante de confiança nas políticas monetária e fiscal dos EUA. Ao mesmo tempo, Fred Bergsten, diretor do Peterson Institute, afirma que agora é interesse dos EUA reduzir o papel do dólar e encorajar um fluxo maior de reservas para o euro, o yuan e os direitos especiais de saque (SDR, na sigla em inglês).

Mesmo assim, a ameaça ao dólar pode estar sendo exagerada. A China está sacudindo as barras da gaiola que ela mesma fez, uma vez que as reservas são uma consequência da intervenção colossal para impedir a valorização de sua moeda. Na verdade, ela está presa ao equivalente econômico da aniquilação mútua descrita pelos teóricos da guerra nuclear durante Guerra Fria. Com as exportações chegando a dois quintos do PIB, convém à China ter os EUA como tomador e gastador de último instância na economia mundial. E ela não pode abandonar o dólar sem reduzir o valor de suas próprias reservas em dólar.

Quanto ao potencial da moeda chinesa de desafiar o papel do dólar de moeda de reserva, isso poderá existir no longuíssimo prazo, mas na ausência de mercados financeiros desenvolvidos e um compromisso muito mais forte de internacionalização do yuan, isso continua sendo muito remoto.

Na verdade, o elemento mais fraco do ponto de vista do declínio dos EUA pode ser as atuais estimativas elevadas da força do desafio chinês. Elas foram elegantemente apontados em um ensaio recente sobre assuntos externos de Josef Joffe, editor adjunto do jornal alemão "Die Zeit". A China, diz ele, é um lugar onde o resto do mundo essencialmente aluga trabalhadores e espaço de trabalho a preços muito baixos e taxas de câmbio distorcidas. Sua dependência das exportações, além de ser um calcanhar-de-aquiles econômico, tem consequências políticas. Estas incluem 70 mil casos de distúrbio social todos os anos, que não são computados nas previsões lineares de crescimento de que os banqueiros de investimento tanto gostam.

A demografia da China não ajuda: Joffe afirma que a população vai crescer antes de começar a enriquecer. Pelos números do Goldman Sachs, a China terá em 2050 superado os EUA, com um PIB de US$ 45 trilhões, contra os US$ 35 trilhões dos EUA. A idade média nos EUA será, então, a menor entre todas as grandes potências mundiais com exceção da Índia. Na verdade, a população economicamente ativa dos EUA terá crescido cerca de 30%, enquanto que na China haverá queda de 3%.

Junto com a dependência das exportações, isso representa um grande desafio para as autoridades chinesas, num país que é muito pobre. Enquanto isso, os EUA ainda possuem um sistema de ensino superior e de pesquisas sem paralelos. E, em 2008, seu orçamento militar foi de US$ 607 bilhões, representando quase metade dos gastos militares totais no mundo. O orçamento militar da China, frequentemente alardeada como a próxima superpotência, é de menos de um sétimo disso.

Ninguém pode negar as conquistas extraordinárias da China na mais acelerada revolução industrial da história humana. Estamos claramente nos movimentando para um mundo multipolar e um sistema de reserva multimoedas, no qual o poder dos EUA será mais restrito. Mesmo assim, os EUA continuam sendo de longe a mais flexível das grandes economias. A história não se move sobre trilhos - exceto para os marxistas. Se as autoridades dos EUA se mostrarem à altura do desafio fiscal e se os americanos passarem e poupar mais, há todas as chances do país escapar de um declínio significativo e continuar sendo a principal economia e potência militar do mundo por muito tempo ainda.

Isso é um "se" enorme. Mas, para o prazer de muitos, a próxima geração de americanos não vai reduzir suas esperanças e ambições no curto prazo.


Obama faz primeira viagem oficial à Ásia
13/11/2009
AP


O presidente dos EUA, Barack Obama, embarcou ontem para a Ásia levando consigo uma agenda que prioriza a economia americana, a questão do emprego e o enorme déficit comercial com a China. A mudança climática global, os programas nucleares de Irã e Coreia do Norte e a nova estratégia dos EUA para o Afeganistão serão outros tópicos importantes nas suas conversas com autoridades da China e de outros governos, nesta primeira visita oficial dele ao continente. A viagem durará nove dias. "Eu me reunirei com líderes para discutir uma estratégia de crescimento que seja ao mesmo tempo equilibrada e amplamente compartilhada", disse ele na Casa Branca antes de partir para o Japão. Durante a visita, Obama também irá a Cingapura, para a cúpula da Apec (bloco regional Ásia Pacífico), Xangai (na foto, retrato de Obama numa loja da cidade), Pequim e Seul. Analistas dizem que a escala mais importante deve ser a da China, onde o presidente vai pressionar pela valorização do yuan.


China já viveu uma decadência como império
Financial Times
13/11/2009
A teoria da expansão excessiva dos impérios, lançada por Paul Kennedy em "The Rise And Fall of The Great Powers", afirma que, se uma proporção grande demais dos recursos do Estado é desviada da criação de riqueza para os gastos militares, o poder nacional vai se enfraquecer no longo prazo. A questão é se um determinado Estado pode conseguir um equilíbrio razoável entre as necessidades básicas de defesa e os recursos econômicos.

A tarefa fica ainda mais difícil quando uma nação está sofrendo um declínio econômico relativo. O professor Kennedy afirmava também que os EUA não conseguiriam preservar sua posição relativa porque "simplesmente a nenhuma sociedade é conferido o direito de continuar permanentemente à frente das outras, uma vez que isso implicaria num congelamento dos padrões diferenciados das taxas de crescimento, dos desenvolvimentos tecnológico e militar, que existem desde tempos imemoriais".

Ele concluiu que era dever dos estadistas americanos reconhecer essa ampla tendência e administrar o país, de modo que a corrosão relativa da supremacia ocorresse lentamente e tranquilamente, em vez de implementar políticas vantajosas no curto prazo, mas que seriam prejudiciais no longo prazo.

Isso carrega um reflexo notável da observação feita por Robert Temple Armstrong, o ilustre servidor público britânico, que disse na década de 70 que "o negócio do serviço civil é a administração ordeira do declínio".

A China, embora vista por muitos como a principal beneficiária da potencial exaustão dos EUA, já passou por uma experiência própria de declínio. Até a meta de milênio anterior, ela era tecnologicamente mais avançada que a Europa, com uma agricultura mais eficiente, e a classe dos mandarins não tinha rivais em seu profissionalismo. Mesmo depois que o Ocidente a superou, economica e tecnologicamente, entre os séculos XVI e XVIII, a economia da China ainda era a maior do mundo quando a revolução industrial começou.

No entanto, entre 1820 e 1952, quando a Europa experimentou taxas de crescimento econômico sem precedentes na história, a produtividade per capita da China caiu, enquanto sua participação no PIB mundial despencou de um terço para um vigésimo. A renda per capital caiu de um nível igual ao mundial, para um quarto de média mundial no período*.

Esse desempenho terrível tem sido atribuído a várias causas, incluindo a intervenção colonial estrangeira, distúrbios internos e a inflexibilidade da burocracia diante dos desafios apresentados pelo renascimento do Ocidente.

Todos os números foram extraídos de "Chinese Economic Performance In The Long Run", de Angus Maddison

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