Monday, September 21, 2009

42) Turismo vermelho, nos 60 anos da revolucao comunista chinesa

Mesmo as piores tragédias, pelas suas dimensões épicas, acabam virando motivo de comemorações, de lembranças e de nostalgia. Até hoje Stalin possui seguidores fiéis na ex-União Soviética.
O mesmo parece ocorrer com Mao Tsé-tung e a revolução chinesa sd 1949, que estão na origem de algumas dezenas de milhões de mortos, bem mais, em todo caso, que Stalin e Hitler (talvez juntos).
A matéria abaixo, apropriada a essa nostalgia da revolução e da memorabilia maoista, pode ser lida em conexão com este meu ensaio sobre a revolução capitalista em curso na China, que ainda vai ser publicado, mas que já pode ser lido no link abaixo.

Falácias acadêmicas, 13: o mito do socialismo de mercado na China, Brasília, 17 setembro 2009, 13 p. Continuidade do exercício serial, com abordagem da experiência chinesa em matéria de transição renovada ao capitalismo.

''Turismo vermelho'' chinês atrai milhões
Cláudia Trevisan
O Estado de São Paulo, Domingo, 20 de Setembro de 2009

Locais-chave da Revolução de 1949 reforçam laços da população com PC

O casal Liu Xueshan, de 76 anos, e Meng Fanrong, de 78, viajou 26 horas de trem na semana passada para realizar o sonho que acalentava havia uma década: conhecer a cidade onde nasceu Mao Tsé-tung, o homem que liderou a Revolução Comunista há quase 60 anos.

Como eles, uma crescente legião de chineses empreende peregrinações para os locais que se tornaram símbolos da vitória contra os nacionalistas, em 1949, e da luta contra os invasores japoneses, entre 1937 e 1945.

Ao mesmo tempo em que adotam reformas rumo à economia de mercado, as autoridades de Pequim estimulam o "turismo vermelho", na esperança de fortalecer o vínculo da população com o Partido Comunista (PC).

As atrações revolucionárias atraíram 272 milhões de visitantes em 2008, alta de 18,3% em relação ao ano anterior. A expansão foi maior que os 6,3% registrados em todo o turismo doméstico geral, que mobilizou 1,7 bilhão de pessoas em 2008.

A comemoração dos 60 anos da Revolução Comunista neste ano deu impulso ainda maior a essa indústria, e os principais destinos experimentam expansão de pelos menos 30% no número de visitantes.

A maioria das atrações é localizada em regiões pobres e rurais, que se beneficiam do aumento no fluxo de turistas. A promoção das excursões revolucionárias tornou-se política oficial do governo em 2005 e atende ao duplo objetivo de manter vivo o "espírito comunista" e de desenvolver essas áreas empobrecidas.

Liu Xueshan, Meng Fanrong e o amigo Ning Hongzhu, de 76 anos, viajaram a Shaoshan, cidade natal de Mao, em companhia de seus filhos, que aproveitaram uma semana de folga para realizar o sonho dos pais. "Sem ele, não teríamos a vida feliz que temos agora", disse Meng ao Estado. "Sem ele e sem Deng Xiaoping", emendou.

Ela e o marido tinham 18 e 16 anos quando Mao anunciou a criação da República Popular da China, em 1º de outubro de 1949. "Nos velhos tempos, não tínhamos comida e quase fomos mendigar", lembrou Liu, com os mesmos sapatos de pano utilizados pelos comunistas durante a guerra civil.

REFORMA AGRÁRIA
Camponeses, Liu e Meng foram beneficiados pela reforma agrária empreendida pelo novo governo, em um processo que provocou a morte de um número estimado em 1 milhão de ex-proprietários de terra.

Depois de viajar 26 horas de trem da Província de Shangdong para Changsha, capital da Província de Hunan, Liu, Meng, Ning e os filhos integraram-se a uma excursão de quase 40 pessoas em direção a Shaoshan, onde Mao nasceu no dia 26 de dezembro de 1893. A correspondente do Estado era a única ocidental em um grupo formado principalmente por jovens.

A primeira parada no trajeto foi a casa onde nasceu Liu Shaoqi (1898-1969), o veterano revolucionário que caiu em desgraça na Revolução Cultural. Liu assumiu a presidência da China em abril de 1958, no início do Grande Salto para Frente - desastrosa tentativa de Mao de industrializar o país em tempo recorde, durante a qual 30 milhões morreram de fome.

Crítico das políticas de Mao, Liu Shaoqi foi preso pelos Guardas Vermelhos em 1967, acusado de defender o capitalismo. Nos dois anos seguintes, foi torturado e exposto a inúmeras sessões de humilhação pública. Com diabete e pneumonia, morreu na prisão.

O ex-presidente da China só foi reabilitado depois da morte de Mao e com a chegada ao poder de Deng Xiaoping (1904-1997), outro veterano perseguido durante a Revolução Cultural (1966-1976).

A casa onde Liu Shaoqi nasceu, em Ningxiang, está no centro de um memorial de 670 mil m² em sua homenagem, inaugurado em 1988. O visitante é informado ao entrar que o local é uma das bases da "educação patriótica" e um dos "dez destinos clássicos do turismo vermelho chinês". Em uma das inúmeras ironias da China de hoje, o turista também fica sabendo que o memorial comunista conta com certificado ISO 9001.

Como muitas das atrações do turismo vermelho, o museu dedicado a Liu Shaoqi é mais um local de propaganda do que de educação. Não há informações sobre as divergências entre ele e Mao, nem referências às agruras que enfrentou. Há uma única menção, dizendo que Liu Shaoqi foi tratado de maneira "injusta".

A grandiosidade do memorial contrasta com a simplicidade que ainda cerca a casa da infância de Mao Tsé-tung - os dois líderes nasceram em famílias de pequenos e prósperos proprietários de terra e frequentaram a mesma escola em Hunan.

Além da reparação dos ataques da Revolução Cultural, a homenagem a Liu Shaoqi acaba involuntariamente reforçando o fato de que sua visão econômica está muito mais próxima da China de hoje do que o igualitarismo radical professado por Mao.

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