Ano do tigre
Wilhelm Hofmeister
O Estadao de S.Paulo, 10 de março de 2010
Gong xi fa cai (feliz ano-novo chinês). Em toda parte do Leste e Sudeste da Ásia se comemora nestas semanas o início do novo ano. De acordo com o calendário lunar, no dia 14 fevereiro começou o "ano do tigre". Depois da crise e do mau humor do ano passado, espera-se uma nova dinâmica. Porque o tigre encarna a força, a coragem e a capacidade de superar situações difíceis, ele é reverenciado em muitos países asiáticos como símbolo nacional: na Índia, em Bangladesh e Mianmar, na Indonésia, Malásia e Coreia.
Agora seria o momento para montar o tigre. Esse conselho não é somente dado pelos mestres de Feng Shui, que nestas semanas em muitos lugares são procurados por seus conselhos e previsões. Os executivos de fundos de investimentos também enfatizam que seria o momento justo para investir em valores asiáticos. Assim expressam a confiança em que os fundamentos das economias asiáticas são atualmente melhores do que em outras partes do mundo. Além disso, uma recuperação da economia global só traria mais vantagens para as bolsas de valores e os mercados asiáticos.
Especialmente na China, falaram, por ocasião das comemorações do ano-novo, que neste ano do tigre a economia do país "voltará a rugir". Sem dúvida, o último ano e meio fortaleceu o perfil e a autoconfiança do país. Depois que contribuiu decisivamente para superar a crise internacional de 2009, a China, segundo alguns comentários na imprensa do país, deve em breve se tornar um "tigre real". Mesmo em 2009 o país alcançou uma taxa de crescimento de 8,7%. Embora as exportações tenham diminuído 16%, pela primeira vez ela ultrapassou a Alemanha como o maior país exportador. Cortes fiscais e subsídios ajudaram a que ele tenha se tornado o maior mercado de automóveis do mundo. Agora, a próxima meta é ultrapassar o Japão como a segunda economia mundial. O presidente Hu Jintao, motivado pelo ano-novo, chamou toda a nação a fazer esforços especiais para avançar nos ajustes para que o crescimento sustentável e o desenvolvimento social possam ser permanentemente garantidos.
A nova autoconfiança chinesa é demonstrada não só na área da economia, mas também no palco da política internacional. Isso os líderes de Pequim deixaram claro em várias oportunidades, nas últimas semanas - especialmente em controvérsias com os EUA. O anúncio feito por Washington de vender armas a Taiwan no valor de US$ 6,4 bilhões tem sido criticado por Pequim tão fervorosamente como a recepção do Dalai Lama pelo presidente Barack Obama na Casa Branca. Parece que para ressaltar que a crítica estrangeira à situação política interna não tem efeito algum, no dia 11 fevereiro foi confirmada a condenação do professor de literatura Liu Xiaobo a 11 anos de prisão por "subversão". Liu Xiaobo, um dos mais conhecidos dissidentes de hoje, exige o respeito aos direitos humanos e a democracia em seu país. O presidente Obama havia intercedido pela liberação de Liu durante sua visita a Pequim, em novembro do ano passado. A condenação desse dissidente deve ser entendida como uma demonstração dos dirigentes chineses de que não aceitam "interferência externa" em matéria de direitos humanos. Além disso, atualmente a China não aparece disposta a um entendimento com os EUA e os europeus na questão das sanções contra o Irã por sua política nuclear. Anteriormente, em Copenhague havia negado concessões nas negociações sobre um acordo climático.
Com esse comportamento teimoso, os dirigentes chineses às vezes irritam os seus vizinhos e parceiros que esperam que o país, com o aumento do seu peso econômico, também aceite maior responsabilidade no sistema internacional. Mas Pequim, acima de tudo, está buscando seus próprios interesses em favor de seu desenvolvimento nacional. Não se trata de impor a sua vontade aos outros. A China não é imperialista. Mas é egoísta. Na perseguição de seus interesses, respeita os regimes internacionais somente quando parecem úteis a seus próprios fins. Mas ainda não mostra plena conformidade ou aceitação dos valores e normas fundamentais dos regimes que organizam a ordem e a convivência internacional. Isso é válido tanto no que se refere aos direitos humanos como às regras do comércio ou do sistema financeiro internacional.
Mesmo se a China, no ano do tigre, continuar a ganhar força, sua influência e suas ambições terão limites. Por um lado, estes são marcados pelas consequências do progresso econômico para a própria sociedade e seu sistema político. Os conflitos no interior da China durante o ano passado deram uma amostra das tensões sociais provocadas pelo processo de modernização. O rápido desenvolvimento econômico tem levado a um grau de injustiça que muitas pessoas não querem aceitar. Por isso muitos observadores esperam que nos próximos anos aumente a demanda social em prol de uma reforma política, com a abertura de espaços participativos e a exigência de transparência, previsibilidade e respeito às regras de um Estado de Direito. Por outro lado, o governo chinês, nas suas relações externas, tem de fazer esforços significativos para ganhar a confiança dos seus vizinhos asiáticos. A presença da China na Ásia cresceu consideravelmente. Mas, enquanto a sua contribuição para a segurança e a estabilidade da região não fica evidente, os vizinhos preferem confiar no provedor tradicional de segurança, os EUA.
Apesar do otimismo destas últimas semanas na Ásia, e especialmente na China, os mestres de Feng Shui experientes advertem contra a arrogância. Lembram que no ano do tigre as pessoas tendem a ter reações de sangue quente e provocar conflitos. Talvez isso explique algumas das reações e declarações do governo chinês durante as últimas semanas.
O tigre rugiu. Domesticá-lo não será uma tarefa fácil.
Wilhelm Hofmeister é diretor do Centro de Estudos da Fundação Konrad Adenauer em Cingapura
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