No espelho da China
Antonio Barros de Castro
Digesto Econômico, março-abril 2008
"Strategic thinking helps us take positions in a world that is confusing and uncertain. … speculative judgements … are the essence of strategic thinking, and they can be the starting points for taking a position". (1)
Antonio Barros de Castro
Assessor da Presidência do BNDES e Professor Emérito da UFRJ.
Preliminar sobre o atual deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial.
Poucos questionam hoje a idéia de que o centro de gravidade do crescimento econômico no mundo vem se deslocando para a Ásia, e mais concretamente para a China. Esta última economia, com o PIB expresso em PPP, já equivale a quase 50% do PIB norte americano e o seu crescimento, no período 2002 a 2006, explicou 29% do crescimento da economia mundial. Aliás, se a China e os Estados Unidos mantiverem o crescimento dos últimos 10 anos – uma hipótese otimista, em ambos os casos –, os dois países passariam a ter tamanho semelhante no curto intervalo de 10 anos.
Não é a primeira vez que o centro de gravidade do crescimento da economia mundial se desloca. É bastante conhecido o fato de que nas primeiras décadas do século 20 completou-se o deslocamento do centro do capitalismo da Inglaterra para os Estados Unidos – e os historiadores acrescentam que entre os séculos XVII e XVIII uma mudança desta natureza transferiu da Holanda para a Inglaterra a liderança do nascente capitalismo.
De acordo com Raul Prebish, ao negar, na prática, a clássica divisão internacional do trabalho, entre um centro provedor de manufaturas e a periferia, provedora de alimentos e matérias primas, a ascensão da economia norte-americana mudou radicalmente as oportunidades da América Latina - e muito particularmente de seu país, a Argentina. Este marcante episódio chama a atenção para um dos pontos tratados neste trabalho: deslocamentos deste tipo, raros na história, têm enormes implicações. A Argentina, por exemplo - que como a Austrália e a Nova Zelândia havia sido beneficiada pela divisão internacional do trabalho centrada na Inglaterra – frente ao declínio relativo inglês, teve que buscar outras soluções para voltar a crescer. Por outro lado, a ascensão dos Estados Unidos beneficiou inequivocamente o Canadá - mas não parece em absoluto ter aumentado as chances da Espanha e de Portugal.
Alguns países estão tendo, nos mais recentes anos, as suas oportunidades mais que multiplicadas, revolucionadas, pela ascensão chinesa. Entre as economias mais claramente alavancadas encontram-se algumas integrantes do continente africano. Em outros casos, contudo, a China pode ter trazido mais problemas que oportunidades, sendo de se destacar, a este respeito, o ocorrido com algumas economias da América Central e, possivelmente, com o México.
No próprio continente europeu, as conseqüências da ascensão chinesa parecem ser enormes e, mais uma vez, diferenciadas. Assim, por exemplo, a economia italiana (e a indústria muito particularmente) parece haver perdido posições e rumo, enquanto a Espanha (que poderia, em princípio, ter um destino semelhante ao da Itália), mediante combinação de políticas públicas e criatividade empresarial, parece estar desenvolvendo, paulatinamente, novas e amplas oportunidades de negócios. A sumária referência a estas duas economias sugere dois ensinamentos. Primeiramente, o resultado das translações de que estamos falando não está predeterminado, podendo mostrar- se de uma importância decisiva as escolhas feitas (aí incluída a inanição e a paralisia) pelas políticas públicas, emassociação com as empresas. Além disto, fica também sugerido que o possível proveito tirado por uma economia de uma mudança sistêmica do tipo aqui focalizado pode não surgir direta e imediatamente. Tende, na realidade, a depender da sua capacidade de desenvolver novas oportunidades – inclusive em outros espaços, estes, sim, é de presumir-se, diretamente afetados pelo deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial. Concretamente: a Espanha está explorando oportunidades de investimento em infra-estrutura na América Latina – que vêm sendo nitidamente ampliadas por pressões de demanda procedentes, direta ou indiretamente, da China.
A redistribuição das oportunidades bem como dos entraves ao crescimento depende, numa primeira instância, das características dominantes no centro ascendente – sobretudo na medida em que elas se revelem originais ou mesmo inéditas. No que segue apontaremos sumariamente algumas das características da economia chinesa, destinadas a balizar decisões mundo afora. A ênfase no peculiar não provém apenas do excepcionalismo chinês. Decorre também, decisivamente, de que estamos aqui beirando a história, campo em que as diferenças contam decisivamente. Afinal, como já foi elegantemente dito, "a história constitui uma amostra de tamanho um"(2).
1) Com uma Formação Bruta de Capital superior a 40% do PIB, a economia chinesa se tornou um sorvedouro dos materiais e insumos que corporificam os investimentos. Isto contribuiu decisivamente para a explosão da demanda de máquinas, metais e energia, estando na base dos desequilíbrios verificados nos respectivos mercados. Não apresentaremos aqui cifras – amplamente disponíveis – sobre o deslocamento do patamar de preços das commodities daí derivado. Cabe apenas lembrar que esta é uma mudança crítica, que na realidade quebra uma tendência (ao declínio dos preços das commodities) datado, pelo menos, do pós-guerra da Coréia. Também não é preciso insistir em que esta reviravolta se encontra na base do rápido crescimento de numerosas economias, que em última análise passaram a ser membros do mundo sinocêntrico (3). A esse propósito cabe acrescentar que, desde que fartamente dotada de recursos naturais inexplorados, quanto menos desenvolvida – ou mais destruída – se encontrar uma economia, às vésperas de sua inserção no mercado sino-cêntrico, mais rápido crescerá: seja por óbvios efeitos base (parte-se de muito pouco); seja porque não há que promover a reconversão/adaptação de importantes atividades anteriores. O caso de Angola, economia que cresce presentemente a 20% ao ano, tragicamente ilustra o que acaba de ser dito. Em suma, para o crescimento destas economias, o fato bruto de dispor de matérias primas não só é mais importante do que a constituição de sólidos fundamentos, como (numa inusitada inversão de ordem) permite que eles sejam rapidamente gerados, a partir do boom de commodities.
Com uma Formação Bruta de Capital superior a 40% do PIB, a economia chinesa se tornou um sorvedouro dos materiais e insumos (...)
2) Em segundo lugar parece-nos adequado chamar a atenção para o seguinte fato: o atual candidato a uma posição central tem, entre suas características maiores, a de transformar-se a uma velocidade historicamente desconhecida – o que não deve surpreender, tido em conta o ritmo avassalador a que nele avança a Formação Bruta de Capital. A intensidade das mudanças a que estamos nos referindo permitiu que a China rapidamente passasse da exportação de pequenas manufaturas de baixo valor e reduzido conteúdo tecnológico, à exportadora de eletrônicos (inicialmente apenas montados na China), e a um amplo esforço recente de substituição de importações (4), acompanhado de adensamento das cadeias de valor. Aliás, no estágio já alcançado de desenvolvimento, as próprias autoridades chinesas admitem, ao que parece, que a economia deixou de ser competitiva – frente ao Vietnã e a Bengladesh - em determinadas manufaturas de baixo valor unitário. Por outro lado, e saltando para o pólo oposto, países mais sofisticados industrialmente do que a China têm que ter em conta que suas vantagens construídas podem durar muito pouco. Como ilustração da rapidez das mudanças, e das dificuldades que daí podem derivar, faremos uma breve referência ao setor máquinas e equipamentos.
Em diversos segmentos, os equipamentos chineses do tipo standard que começavam a chegar ao Brasil por volta de 2004/5 apresentavam preços imbatíveis. Por não oferecer assistência técnica pós-venda para os comparadores, no entanto, os equipamentos ficavam muitas vezes em desvantagem competitiva. Mas a resposta chinesa em alguns casos mostrou-se rápida e, possivelmente, contundente, mediante a colocação no mercado de produtos supostamente concebidos como "descartáveis" – o que praticamente elimina a questão da assistência técnica!
A segunda característica significa que as empresas e economias que buscam reposicionar-se, tendo em vista a erupção da China, devem entender de partida, que as oportunidades e ameaças serão freqüentemente redefinidas, havendo neste sentido que atirar sobre alvos móveis. Alternativamente, podem, claro, tentar desenvolver especializações que não sejam facilmente colocadas em cheque pelo avanço chinês. Voltaremos a este tema, mas fica desde já registrado que tanto a dinâmica empresarial, quanto a natureza das políticas públicas de apoio às empresas até agora vigentes, devem ser seriamente repensadas, em decorrência da mutação em curso no meio ambiente econômico.
3) Certas soluções que vêem sendo desenvolvidas na China – assim como certas soluções norte-americanas no passado – parecem fadadas a ter imensas repercussões. Uma ilustração parece aqui cabível. Como é bem sabido, o modelo T da Ford e o salário de U$ 5,00 ao dia a ele associado, encontram-se na base da revolução do consumo de massas, ocorrida pioneiramente nos Estados Unidos, e difundida no pós II Guerra Mundial para a Europa e em outras regiões. Pois bem, existe um fenômeno análogo na atual experiência chinesa. Trata-se de uma nova e dramática onda de barateamento dos bens de consumo eletroeletrônicos, cujo caso emblemático parece ser a evolução verificada, desde o VCR (videocassette recorder) até o atual DVD.
O produto tinha, ao começar a ser montado na China, preços que o mantinham fora do alcance dos trabalhadores chineses. No que possivelmente constitui a primeira grande contribuição moderna chinesa, em matéria de inovação redutora de custos, o preço do produto foi rapidamente reduzido (até cerca de US$ 30 por unidade). Conseqüentemente, entre 1994 e 1999, as marcas chinesas saltaram de 34% para 93% do mercado local (5). Atenção: os baixos salários chineses contribuíram para a redução inicial dos custos e preços – mas não explicam a drástica redução verificada nesta notável experiência.
Existe aqui, sem dúvida, uma interessante analogia com o caso Ford T – sendo que no caso chinês foi o poder aquisitivo dos salários que subiu fortemente, via queda de preços do produto final.
Existe aqui, sem dúvida, uma interessante analogia com o caso Ford T – sendo que no caso chinês foi o poder aquisitivo dos salários que subiu fortemente, via queda de preços do produto final. Lembremo-nos, a propósito, que a solução Ford influenciou fortemente outras empresas e indústrias. Algo semelhante reproduziu- se na China, através da multiplicação dos produtos (eletro-eletrônicos de consumo, equipamentos de transporte tipo duas rodas e certas máquinas) que vêm sendo levados a mercado a preços por vezes referidos como "chineses". Como não poderia deixar de ser, os impactos daí derivados (vantagens, perda de espaço de produtos tradicionais etc) são múltiplos. Exemplificando: motocicletas chinesas, vendidas por um quarto dos preços até recentemente praticados, difundem-se hoje, aceleradamente, no sudeste asiático, revolucionando o transporte naquelas regiões (6).
Repercussões da característica que estamos comentando certamente já estão presentes na América Latina - e são parte integrante da revolução do consumo de massas presentemente em curso no Brasil. Não faltam aliás evidências de que a mutação em foco está se alastrando – inclusive pela marcante presença da Índia (7) no grupo de países que está promovendo a drástica redução de custos e preços de certos tipos de manufaturas.
É difícil exagerar a importância deste último fenômeno, originariamente evidenciada no moderno padrão chinês de crescimento. Curiosamente, se no caso norteamericano a difusão entre os trabalhadores dos modernos gadgets de consumo surge associada à notória riqueza do país, a réplica chinesa significa, inicialmente pelo menos, um grande esforço para difundir um kit moderno de consumo, numa população cujos salários ainda se encontravam entre os mais baixos do mundo. A versão chinesa da revolução do consumo de massas é, portanto, profundamente diversa. Justamente por isso, no entanto, pode atingir o consumo dos pobres do mundo, vindo a revelar-se ainda mais influente que a versão norte-americana da revolução do consumo de massas.
O anterior também significa, que se até recentemente a voracidade chinesa no tocante ao consumo de metais e energéticos tinha em boa medida por base o brutal ritmo chinês de investimento, presentemente, uma crescente contribuição provém dos ex-pobres, que passam a também consumir, exemplificando, eletricidade, alumínio e cobre. Advirta-se a propósito, que ainda quando a versão chinesa (ou mesmo, possivelmente, indiana) das modernas manufaturas seja, por unidade, muito menos consumidora de energia e metais do que os produtos típicos norte-americanos (e ainda quando o consumo de metais e energia por unidade de PIB seja, também, significativamente menor), a pressão sobre os recursos naturais da terra tende a aumentar, dada a espetacular expansão do contingente de consumidores "modernos".
Dado tudo o que precede, não deve surpreender o fato de que esteja ocorrendo no mundo, surda, e, em certos casos, inconscientemente (em particular entre as economias emergentes), algo a que poderíamos nos referir como uma corrida de reposicionamentos. Esta corrida, que teve início nas economias vizinhas da China, tem necessariamente por referência as tendências pesadas derivadas da ascensão chinesa – bem como as respostas a ela dadas por outras economias (8). Seus resultados, seguramente, não amadurecem rapidamente, mas delas derivam conseqüências que podem desde já ser pensadas, debatidas e transformadas em insumos das estratégias de empresas e Estados.
Como reação às novas tendências, tendem a multiplicar- se as demandas por inovações e soluções de toda ordem. O estresse daí derivado, por sua vez, influencia as relações Estado-mercado. Afinal, deve haver mais espaço para políticas públicas, num mundo submetido a um estresse de soluções – o que parece ter sido demonstrado durante as guerras mundiais do século passado. Além disto, a convergência tecnológica presentemente existente na fronteira das técnicas indica que as soluções a serem buscadas requerem mais cooperação do que no passado, entre as empresas, entre estas e os poderes públicos, bem como com os Institutos de Pesquisa e as Universidades. A valorização das políticas industriais e tecnológicas centradas na inovação surge, pois, como um corolário de tudo isto.
Políticas públicas e estratégias frente a uma forte e duradoura mudança das ameaças e oportunidades.
Faremos no que segue alguns comentários a propósito das políticas públicas e estratégias em princípio cabíveis, frente a uma ampla redistribuição das oportunidades e ameaças, em decorrência do deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial.
O texto se limita à família das economias complexas, mas não maduras. A primeira restrição elimina economias, que antes da emergência da China já haviam aceito uma forte redução do grau de diversificação/complexidade. Quanto à não maturidade, referimo-nos ao fato de que as economias em questão não se encontram ainda navegando no que já foi referido como a interminável fronteira do conhecimento.
Isto não significa, contudo, que elas não disponham de competências específicas que lhe permitam, em determinados campos, realizar incursões para além do estado nas economias maduras.
Para facilitar a comunicação recorreremos a um esquema no qual estão presentes três tipos de políticas públicas: a "proteção" a atividades ameaçadas; o "apoio ao reposicionamento", visando uma maior sintonia com as alterações verificadas no meio ambiente econômico; e a "busca do futuro", ou seja, o apoio à construção/exploração de oportunidades até o presente apenas vislumbradas.
É importante frisar que as mesmas políticas estão presentes nas três estratégias esboçadas, residindo a diferença nos graus: "dominante", com uma "presença significativa", ou meramente "residual".
Finalmente, e quanto às estratégias propriamente ditas (que compreendem, em diferentes graus, os três tipos de políticas públicas) teremos em conta três espécies: o Entrincheiramento (Y); a Estratégia Adaptativa (B), e a Estratégia Transformadora (A).
No que segue comentaremos, sumariamente, cada uma das estratégias.
A estratégia Y, de entrincheiramento, busca proteger a industria como ela é, frente a mudanças recentemente surgidas, que a prejudiquem ou ameacem. Assinale-se, a esse respeito, um contraste entre a proteção do tipo que acaba de ser referido, e aquela concedida quando a indústria ainda está sendo implantada. Neste último caso as empresas (não raro principiantes) tratam de adquirir e dominar capacitações de que raramente o país dispõe – mas que já são tradicionais em outras economias. Elas se movem por interesses próprios, mas têm, também, a missão histórica de incorporar novas competências ao acervo de que o país dispõe. No caso em foco, porém, a proteção (demandada, possivelmente, pelas próprias empresas), tenta, quando muito, preservar competências, que além de amplamente dominadas, podem já estar se tornando arcaicas.
Mas há ainda alguns sérios riscos. Por exemplo, os proprietários dos ativos podem (justificadamente, talvez, havendo a este respeito grande assimetria de informações) considerar a sua posição já seriamente ameaçada, ou mesmo definitivamente perdida. Em tais casos, a proteção por eles pleiteada trará alívio apenas momentâneo, o patrimônio particular dos donos terá sido beneficiado - e os órgãos públicos terão funcionado como balcão de atendimento a reclamos. Além disso, não é demais acrescentar, nos próprios segmentos ameaçados, empresas particularmente criativas já estarão possivelmente desenvolvendo soluções inovadoras – que correm o risco de serem desestimuladas pela proteção oferecida ao "entrincheiramento".
A proteção pode no entanto se revelar proveitosa – para a empresa e para o país – desde que combinada com efetivas mudanças, que tragam consigo o reposicionamento de empresas. Mas isto requer que ao invés de se proteger o passado, assumam-se firmes compromissos de mudança: as empresas, bem como as políticas públicas, deverão apoiar ativamente o reposicionamento. Nestes casos, porém, já estaríamos ingressando na próxima estratégia – em que se privilegiam saídas, pelo menos, adaptativas.
Convém advertir que a proteção (ou medidas ad hoc tomadas nesta direção), pode surgir como o tipo de resposta a que, espontaneamente ou a curto prazo, se tende.
Primeiramente, porque a profundidade das mudanças que vêm pela frente não terá sido percebida – sendo as dificuldades atribuídas a circunstâncias passageiras ou a erros de política. Confirma esta predisposição o fato de que o sistema de representação das atividades tradicionais encontra-se já montado, e não costuma ser difícil mobilizar trabalhadores e autoridades locais para a defesa de posições ameaçadas. Por contraste, respostas criativas ao novo quadro requerem políticas públicas que, não raro, ainda têm de ser concebidas e aprovadas exigindo, possivelmente, a revisão de normas e costumes, e o aprendizado de novas práticas.
A emergência da China e as transformações por ela induzidas, porém, caracterizam uma autêntica ruptura da normalidade e o surgimento de novas tendências.
O anterior não significa, seguramente, que a defesa jamais tenha mérito. Mas deve constituir, rigorosamente, a exceção. Aliás, como mostra o quadro I, em caráter residual, ela está presente nas duas outras estratégias. Mas a proteção surge, nas outras estratégias, acompanhada de outras iniciativas, que por contraste com o entrincheiramento, buscam combinar defesa com avanço. A bem dizer, nelas a proteção não significa recusa a entrar no (novo) jogo.Recorde-se, a propósito, que nos tempos heróicos da industrialização a proteção era concedida para que se pudesse, justamente, entrar no jogo!
A proteção de posições ameaçadas, enfim, gera benefícios imediatos – sendo por isto mesmo politicamente atraente. O entrincheiramento como solução maior, no entanto, frente a mudanças de grande magnitude, e vista a questão do ponto de vista do País, traz em si um grave erro de diagnóstico. Não é uma resposta à altura do desafio e, sobretudo, não gera futuro. A bem dizer, a proposta nem deveria ser referida como estratégia. Afinal, um comportamento adequadamente referido como estratégico deve possuir visão de futuro, para o que é indispensável ter em conta a conduta, os objetivos e os planos de ação dos atores que estão entrando em cena.
Duas considerações devem ser feitas, antes de se focalizar a segunda e a terceira estratégias.
Primeiramente, a agenda das políticas públicas está se movendo, em direção a posturas pró-ativas, num grau impensável nas últimas décadas do século XX. Não caberia tentar sequer explicar este importantíssimo deslocamento – que pode certamente ser abordado de diferentes pontos de vista. Cabe apenas registrá-lo e, na perspectiva deste trabalho, sugerir que entre as suas razões de ser figure, destacadamente, o retorno de questões relativas à alocação de recursos – ou genericamente, de oferta – praticamente banidas da agenda de políticas públicas (especialmente na América Latina) nas últimas décadas do século XX (9).
É claro que esta importante mudança foi reforçada pelo prestígio das experiências asiáticas, em que a próatividade das políticas constitui uma característica maior. Presentemente, a insegurança energética levou os Estados Unidos a um ostensivo intervencionismo no campo energético. Não é menos evidente que os espaços de atuação das políticas públicas pró-ativas estão também sendo ampliados e reforçados pela tomada de consciência dos problemas ecológicos. Através dela uma lente de aumento foi dramaticamente colocada sobre certos limites físicos do mundo econômico, fazendo com que questões de oferta deixem de ser tratadas (ou, melhor dito, ignoradas) de acordo com abordagem econômica típica do final do século passado. Por fim, o próprio deslocamento do centro de gravidade do crescimento para a China, ao atrair e/ou empurrar as economias em várias direções – desejados, ou não pelas respectivas sociedades e governos – vem dando a sua contribuição para a restauração das questões alocativas como uma temática (também) de governo (10).
NOTAS:
(1) Strategy`s strategist: An interview with Richard Rumelt. Mckinsey Quarterly 2007/Number 4
(2) Pant, P.N., e Starbuck, W. H. "Review of Forecasting and Research Methods", Journal of Management, junho de 1990, citado em Mintzberg, Henry, The Rise and fall of Strategic Planning, The Free Press, 1994.
(3) Castro, Antonio Barros, "From semi-stagnation to growth in a sino-centric market", Revista de Economia Política, janeiro-março de 2008
(4) Cui, Li & Hussain, Syed, Is China changing its stripes? The shifting structure of China’s External Trade and its Implications. Fundo Monetario Internacional, abril de 2007.
(5) Feng, Lu e Ling, Mu, Learning by Innovating – Lessons from the Development of the Chinese Digital Video Player, citado em Zonenschein, Claudia Nessi, O Caso Chinês na Perspectiva do "Catch-Up" e das Instituições Substitutas. Tese de Doutorado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2006
(6) Fuller, Thomas, Produtos Baratos da China Facilitam a Vida de Vizinhos, O Estado de São Paulo, 30 de dezembro de 2007.
(7) Prahalad, C. K., A Riqueza na Base da Pirâmide, Bookman, 2006.
(8) Tais tendências foram sumariamente apontadas em "From semi-stagnation to growth in a sino-centric market", ob cit, e estão sendo tentativamente especificadas num trabalho em coautoria com Francisco Eduardo Pires de Souza.
(9) Em seu último livro, Dani Rodrik afirma, na introdução e peremptoriamente: "A marca do desenvolvimento é a mudança estrutural – o processo pelo qual se retira recursos das atividades tradicionais, de baixa produtividade, para atividades modernas, de alta produtividade.Vide One Economics Many Recipes. Princeton University Press, 2007, p. 7.
(10) Sobre o tema do fortalecimento das políticas pró-ativas nos Estados Unidos, veja-se o estimulante artigo State Activism in an Age of Globalization: Bringing Development Strategy Back in, de Linda Weiss, apresentado no seminário da Ford Foundation sobre The role of the State in a Global Era, São Paulo, novembro de 2007.
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