O modelo chinês de desenvolvimento
Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo, 12 de julho de 2011
O crescimento médio de 9% da China nos últimos 30 anos tem despertado a atenção de todo o mundo, em especial dos países em desenvolvimento. Qual é o fundamento do modelo chinês? O êxito econômico da China não decorre apenas da aplicação de políticas econômicas stricto sensu, mas de alguns princípios inspirados no pragmatismo de Deng Xiaoping, chefe do governo chinês nos anos 70: a importância da inovação, a rejeição a medir o desenvolvimento pelo crescimento do PIB e da renda per capita, a busca de melhoria na qualidade de vida e a crença na autodeterminação e soberania.
Recentemente Stefan Halper, no livro O Consenso de Pequim, procurou mostrar como o modelo chinês, classificado como "autoritarismo de mercado", começa a ganhar adeptos entre países em desenvolvimento. Embora sendo discutível se esse modelo pode ser replicado em outros países com o mesmo êxito, o sistema chinês oferece uma alternativa ao Consenso de Washington, que enfatizava a prevalência do mercado e da austeridade econômica doméstica, mas ficou associado às condicionalidades impostas pelas instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Segundo o economista chinês Ping Chen - que esteve há algum tempo na FGV em São Paulo -, o que ocorre na China não configura o aparecimento de um modelo de desenvolvimento econômico porque o país está em constante experimentação e mudança com o objetivo de se ajustar a um mundo em transformação. O Congresso do Povo está permanentemente modernizando leis e regulamentos, úteis no passado, mas obsoletos no presente. Ao contrário do Consenso de Washington, o modelo chinês parte do pressuposto de que cada país enfrenta desafios diferenciados e por isso não pode aceitar soluções padronizadas. Nas últimas três décadas a China descartou as barreiras ideológicas e históricas e testou as mais diferentes ideias, implementando-as e corrigindo os erros cometidos.
Não chega a ser surpresa constatar a forte presença do Estado, uma das características dos regimes comunistas, como o aspecto fundamental do modelo. O capitalismo de Estado é a sua marca registrada, combinado com a abertura a investimentos externos, com transferência de tecnologia e associação compulsória com empresas estatais e com o câmbio congelado.
Dada a natureza controvertida dos comentários apresentados por Chen, pareceu-me útil resumi-los, sem questionar suas premissas, pela limitação de espaço.
Refletindo as peculiaridades do sistema político e social chinês, Chen alinhou nove princípios responsáveis pelo êxito da China num mundo de incertezas e complexidades:
Buscar oportunidades para o crescimento da economia e adotar reformas ousadas para aproveitá-las. Nos países em desenvolvimento, os governos têm mais capital e recursos humanos do que o setor privado para ativar um mercado pouco sofisticado. A economia neoliberal tem pouca experiência nos países mais pobres e por isso frequentemente recomenda práticas de mercados desenvolvidos, de forma equivocada, aos mercados emergentes.
Necessidade de manter um sistema dual para a estabilidade e a inovação. A dualidade é representada pela atuação do governo e do setor empresarial. As regulamentações são adotadas por consenso entre a liderança política, empresários e a comunidade.
Clara divisão de trabalho entre o governo central e o local. O governo central é responsável pela segurança nacional e pela coordenação regional. O governo local lidera as experiências institucionais e de desenvolvimento. A experiência de descentralização é o motor das inovações, não a imposição de regras de cima para baixo por conselheiros externos.
Para o desenvolvimento regional a liderança política é mais importante do que o capital, recursos e infraestrutura.
Economias mistas (capitalismo de Estado) oferecem financiamentos públicos para favorecer reformas e desenvolvimento sustentável. Políticas liberais nunca funcionam em países com grande população, poucos recursos e frequentes desastres naturais. O setor estatal e coletivo serve de anteparo para os ciclos de negócios.
A disciplina da economia chinesa é alicerçada na competição em todos os níveis, e não na negociação com grupos de interesse, no estilo ocidental. A democracia na China não é uma competição verbal, mas uma corrida por ações concretas. A legitimidade do governo não deriva do eleitorado, mas dos resultados políticos e econômicos.
A coordenação entre governos, homens de negócios, trabalhadores e setor agrícola tende a gerar uma nova parceria.
Os governos podem criar e orientar o mercado, mas não devem ser conduzidos por ele. A condição fundamental é o fator humano.
As ações do governo devem focalizar o desenvolvimento econômico interno, sem perder de vista as turbulências externas.
Segundo Chen, a alternativa asiática de desenvolvimento é representada por valores compartilhados pelo governo e pelos cidadãos, tendo como pano de fundo crescentes pitadas de ensinamentos de Confúcio. O Consenso de Pequim, baseado no apoio familiar, na edificação da nação e no governo central que interage com a população, é a alternativa ao sistema ocidental, fundado no individualismo, no consumismo e no equilíbrio entre os grupos de interesse.
Para países como o Brasil, não se trata de tentar replicar o capitalismo de Estado, mas de reconhecer a influência da China no processo produtivo global e procurar melhorar a competitividade da economia para poder enfrentar o grande desafio que esse país coloca hoje ao setor produtivo nacional, sobretudo o industrial.
Temos de superar a visão ingênua derivada da percepção equivocada das vantagens que a China oferece e definir nossos próprios interesses.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP
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