China parece disposta a mudar política cambial
Editorial
Valor Econômico, Quinta-feira, 8 de abril de 2010
A China voltou a dar sinais de que pode flexibilizar a política cambial, permitindo a valorização da sua moeda, o yuan. A possibilidade já havia sido levantada no início do ano sem que nenhuma mudança ocorresse de fato. Há indicações, porém, de que agora pode ser diferente. Um dos principais motivos é que a sinalização está sendo dada pouco antes do encontro, na próxima semana, dos presidentes dos Estados Unidos, Barack Obama, e da China, Hu Jintao, em Washington. O encontro vai ocorrer paralelamente à reunião de cúpula sobre segurança nuclear, patrocinada por Obama, e o câmbio será naturalmente um tema.
A ação chinesa foi uma resposta à boa vontade do governo americano, que adiou a decisão de manifestar em documento que a China manipula sua moeda. Uma declaração desse tipo abre teoricamente espaço para disputas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao evitar esse passo, os Estados Unidos indicam que podem resolver a questão no âmbito diplomático, alternativa preferida pela China. Provavelmente será esse o recado que dará pessoalmente ao governo chinês o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, hoje, em Pequim.
Favorecida pela moeda depreciada e baixos custos de produção, a China vem dominando o comércio internacional. Seu superávit em conta corrente chegou perto de US$ 400 bilhões em 2007, cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo durante o auge da crise internacional, em 2009, foi de surpreendentes US$ 275 bilhões, ou mais de 5% do PIB. Esse dinamismo puxa a economia internacional e tem um impacto positivo, especialmente em países emergentes como o Brasil, grande fornecedor de matérias-primas para a China.
Mas os aspectos negativos se sobressaem. Para o economista americano Fred Bergsten, do Peterson Institute for International Economics, a China está exportando grandes doses de desemprego para o resto do mundo, incluindo Estados Unidos, Europa e muitos mercados emergentes como o Brasil, Índia, México e África do Sul.
De fato, nesta semana, o presidente Lula mostrou-se irritado com o avanço chinês na Argentina, tradicional mercado brasileiro. Reportagem publicada pelo Valor, terça-feira, mostra que o país perde espaço para os chineses na briga por mercado em todo o mundo, a começar pelos vizinhos da América Latina. De acordo com estudo da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), a China conseguiu ampliar em US$ 17 bilhões as vendas de produtos que competem com os brasileiros na América do Sul, entre 1995 e 2008, passando de fornecedora de quinquilharias a exportadora de bens de maior valor agregado, como eletrodomésticos. Já o Brasil ampliou em apenas US$ 665 milhões as vendas de bens que competem com os chineses.
A mudança mais significativa na política cambial chinesa ocorreu em julho de 2005, quando o país trocou o dólar como referência cambial por uma cesta de moedas. Apesar disso, o yuan pouco se fortaleceu nos dois anos seguintes, enquanto o país ia acumulando elevados superávits em conta corrente e astronômicas reservas internacionais. Entre novembro de 2007 e o fim de 2008, o ritmo de desvalorização do yuan aumentou. Com o aprofundamento da crise, porém, o câmbio praticamente estacionou. A China compraria US$ 1 bilhão por dia para sustentar a cotação.
A depreciação cambial foi uma das medidas chinesas para enfrentar a crise. O país tem que manter o estrondoso ritmo de crescimento econômico para dar emprego à sua gigantesca população - e essa expansão tem sido basicamente sustentada pelas exportações.
Tornar o câmbio flexível também é uma tarefa difícil por causa da inexistência de instrumentos de hedge e da falta de experiência das empresas chinesas em conviver com uma taxa flutuante, disse Zhang Yansheng, diretor-geral do Institute for International Economic Research, think tank, ligado ao governo.
Calcula-se que a moeda chinesa precise de um ajuste de 15% a 25% em termos reais. É praticamente impossível que isso ocorra de uma penada só. Como em um transatlântico, todas as mudanças na China são graduais.
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