(Talvez já tenha sido postado aqui, na data correspondente, mas como não tenho certeza, nem tempo para procurar, vai novamente, pois sempre se pode ler duas vezes...)
Uma geração quase livre de Mao
John Lee
Valor Econômico, 14/01/2010 – pág. A15
A próxima geração de líderes será mais confiante e assertiva e julga cautela como paralisia.
A nomeação de cinco chefes de nível provincial do Partido Comunista chinês no início de dezembro passado é um lembrete de que a ascensão da nova geração de líderes na China, que assumirá o poder em 2012, pode ser o acontecimento mais importante na política chinesa desde o início do reinado de Deng Xiaoping, em 1978. A nova geração de líderes será a primeira com escassa ou nenhuma memória pessoal da turbulência e dificuldades durante os anos de Mao Tse-tung. Esquecer essa história poderá condenar a China a repetir os erros do passado; mas, para bem ou para mal, isso também poderá reduzir restrições e liberar seus dirigentes.
Todos os cinco nomeados nasceram após a fundação da República Popular em 1949. Dois deles, Hu Chunhua e Sun Zhengcai, têm apenas 46 anos. Isso é coerente com a política recentemente anunciada pelo partido, de que a próxima geração de líderes deve ter idade média em torno de 55 anos, e que até quatro altas posições sejam preenchidas por líderes que ainda não tenham completado 50 anos. O objetivo do partido é garantir que permaneça vigoroso e dinâmico, acompanhando a ascensão da China.
Isso parece uma decisão sábia. Na última década e meia, a atuação da liderança chinesa foi em termos de ajuste fino e de manutenção da dinâmica do modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado, estabelecido por Deng e deflagrado após os protestos na Praça da Paz Celestial, em 1989. Nesse aspecto, a terceira e quarta gerações de líderes chineses, sob os tecnocratas Jiang Zemin e Hu Jintao, foi competente, mas desprovida de imaginação.
Mas a viabilidade do modelo de Deng está chegando a seu fim, e a China está agora viciada em ineficiente crescimento movido a investimento estatal em infraestrutura e insustentável crescimento puxado por exportações - em vez de crescimento interno, para gerar emprego e crescimento. Progressos em novas reformas estruturais - como liberalização da moeda e da conta de capital e corte da dependência de empresas estatais em relação a capital estatal têm sido lentos, e as novas iniciativas têm sido fragmentadas e não abrangentes.
Sobre a política externa, Hu e Jiang têm seguido fielmente a máxima de Deng: "Ocultar capacidade e estimular obscuridade". Embora cada vez mais assertiva na África e na América Latina, a China continua a ser um "ator autônomo" sob o guarda chuva de segurança americano.
As gerações mais velhas veem essa cautela como prudência, e esse conservadorismo se reflete nos atuais líderes chineses. A ausência de reforma em termos amplos atesta o temor coletivo das gerações mais velhas de que mudanças estruturais fundamentais produzirão tumulto e caos, ameaçando a manutenção do Partido no poder. Eles ainda se lembram do sofrimento dos anos de Mao, quando a China caminhou na direção errada - e tentou fazê-lo depressa demais - e recordam vividamente como os protestos na Praça da Paz Celestial pôs o regime de joelhos, e a irrupção de conflitos trabalhistas urbanos quando empresas estatais centralmente geridas foram fundidas ou fechadas na década de 1990.
Da mesma forma, embora a China continue fundamentalmente insatisfeita com suas fronteiras terrestres meridionais e com suas fronteiras marítimas a leste e sudeste, seus atuais dirigentes temem que o resultado de uma política externa assertiva e agressiva seria isolamento. Todas as elites - jovens e idosas - veem a China como líder natural na Ásia e consideram os EUA como um intruso recente. Mas, para a terceira e quarta gerações de líderes, dar aos EUA e a seus aliados e parceiros uma desculpa para "conter" a China - e restringir seu desenvolvimento econômico - permanece sendo o grande pesadelo.
Sem experiência pessoal da traumática recente história chinesa, a próxima geração será mais confiante e assertiva. Formada em economia, política e direito, em vez de engenharia, a nova geração tentará acelerar o crescimento e a transformação da China, considerando cautela como paralisia. Mesmo agora, os líderes emergentes argumentam que a China está se movendo muito lentamente nos terrenos de reforma econômica e de objetivos de política externa. Para melhor ou para pior, eles não se deterão diante dos temores de consequências não intencionais quando se trata de mudança e experimentação.
Otimistas esperam que isso possa acelerar a liberalização econômica, e talvez até mesmo resultar em moderada reforma política, especialmente maior cobrança de responsabilidade das autoridades locais. Afinal, foram as autoridades chinesas mais jovens que levantaram sistematicamente nos congressos do partido a questão da corrupção em nível local.
Mas as consequências para a política externa poderão ser ainda maiores. Tendo crescido numa China hoje aceita legitimamente como uma grande potência, a nova geração de líderes estará mais impaciente para que os chineses retomem seu lugar na Ásia. Embora estadistas mais velhos orgulhem-se do quanto a China avançou, mais jovens figuras no Partido e elites - especialmente aqueles que retornaram de universidades americanas e ocidentais - estão frustrados com o fato de que a posição estratégica chinesa na Ásia, e seu status no âmbito das instituições mundiais e regionais, continuam a ser fracos, apesar do crescente poder econômico do país.
Por exemplo, grande parte do discurso segundo o qual a China deveria assumir a liderança nas instituições regionais, e de que os navios chineses deveriam ter maior presença em rotas marítimas vitais como o Estreito de Malaca, e até mesmo no Oceano Índico, vem da geração mais jovem. Os líderes mais jovens do Partido também estão impacientes quando se trata de um calendário para a devolução de Taiwan.
A China está em "ponto-morto". Mas isso vai acabar quando a próxima geração assumir o poder em 2012. Quando a hora deles chegar, o mundo estará lidando com uma potência muito mais imprevisível do que a que conhecemos agora.
John Lee é um pesquisador de política externa no Centro de Estudos Independentes, em Sydney, e pesquisador-visitante no Instituto Hudson, em Washington, DC. Lee é autor de Will China Fail? (A China fracassará? Copyright: Project Syndicate, 2009.
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