China e África: a política de Pequim para o continente africano
João Bosco Monte
Boletim Mundorama, 3 Mar 2010
Os prognósticos apocalípticos anunciados no ano passado pelos organismos internacionais de crédito, com respeito aos efeitos que a crise internacional causaria na África não se cumpriram. Tanto o FMI como o Banco Mundial prediziam com certa lógica que a paralisação do comércio mundial e dos créditos financeiros afetaria o continente.
O que se poderia esperar de um continente que apresenta a triste imagem do único continente onde os indicadores econômicos, sanitários e sociais se deterioram sistematicamente? Dos 49 países menos avançados no mundo, 34 são subsaarianos. Além disso, há de se considerar a crônica instabilidade política das cinco últimas décadas com um saldo de mais de sete milhões de mortos e mais de 10 milhões de refugiados fugindo de 32 conflitos armados. Para agravar o quadro, 70% das pessoas infectadas pela AIDS no mundo se encontram na África.
Apesar dos dados apresentados não serem sedutores, é possível identificar paises que deliberadamente decidiram “apostar” no continente africano. O que se percebe é que a economia africana está se erguendo e em estado crescente. E foi precisamente à China que entendeu que vale à pena “remar contra a maré”.
A penetração chinesa na África em busca de recursos naturais que consolidem seu grande crescimento deu um grande salto a partir de 2005, quando do nada desembarcaram no continente aproximadamente 1.000 empresas e centenas de milhares de trabalhadores.
Pode-se dizer que a crise econômica mundial dos dois últimos anos acelerou a conquista chinesa na África subsaariana. Aproveitando a falta de visão e iniciativa ocidental, onde as empresas se colocam na defensiva e tratam de conter o gasto, Pequim disponibilizou mais de 60 bilhões de dólares em apenas seis meses para controlar o acesso a matérias primas e competir diretamente com grandes multinacionais como Exxon Mobil e Shell.
Dessa forma a China utiliza a crise para dar um grande salto para frente e deverá crescer este ano com uma taxa acima de 8%. O governo chinês tem claramente a intenção de fortalecer suas bases na África e assim, aumentar a sua produção de petróleo a nível mundial.
Pelo que se observa, a China pretende conquistar também os feudos ocidentais: em apenas seis meses adquiriu a petroleira suíça Addax Petroleum, que controla poços na Nigéria, Gabão e Camarões; Pequim apresentou um projeto para construir um oleoduto no Quênia, que permitirá extrair o petróleo do Sudão; adquiriu direitos sobre o petróleo e urânio em Níger; discute uma parceria com a britânica Tullow Oil para a exploração da bacia petrolífera descoberta no Lago Alberto, já em Uganda, iniciou novas explorações de cobre em Zâmbia.
Há, entretanto, duas apostas mais espetaculares para a China: obter permissão de exploração na Nigéria (o quinto fornecedor de petróleo dos Estados Unidos) controladas até agora por Shell, ExxonMobil e Chevron numa operação em torno de 30 bilhões de dólares. A outra cartada é Gana, onde Pequim tenta conseguir junto às autoridades locais um acordo que permita a exploração de uma grande bacia petrolífera pela estatal chinesa CNOOC.
É importante suscitar também que o déficit energético da China tende a acentuar-se ainda mais nos próximos anos, se mantido seu ritmo de crescimento. Ainda que sua principal fonte de energia seja o carvão, em apenas uma década, seu consumo de petróleo aumentou de 4,2 a 8 milhões de barris diários, transformando o gigante asiático no segundo consumidor mundial. E as estimativas são de que em 2015 serão necessários 11 milhões de barris diariamente para suprir as necessidades do país.
Atualmente, dos dez principais fornecedores de petróleo da China, quatro se encontram no continente africano: Angola (terceiro, atrás da Arábia Saudita e Iran), Sudão (6º), Congo-Brazzaville (8º) e Líbia (10º). Dessa forma, a África já contribui com quase 30% do petróleo importado pela China.
A nova fase do investimento chinês na África se integra numa onda global de aquisição de energia e recursos naturais e embora haja senões por parte de algumas nações, – especialmente os Estados Unidos -, de que os negócios feitos pela China muitas vezes são duvidosos, Pequim é um “sócio” realmente muito desejado por muitos países.
Em tempo: até o futebol passou a ser um motivo de interesse de investimento chinês na África. A empresa Yingli Green Energy, um dos maiores fabricantes mundial de placas solares, assinou um contrato com a FIFA, tornando-se o sétimo patrocinador do Mundial de Futebol na África do Sul.
João Bosco Monte é Professor da Universidade de Fortaleza (boscomonte@yahoo.com.br).
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