Entrevista com Guan Dong Yuan: 'Não temos medo da China. É preciso tradição'
Gilberto Scofield Jr. - Correspondente
O Globo, 6 de julho de 2008
PEQUIM. O diretor-gerente da Embraer na China, Guan Dong Yuan, não se abalou quando, há cerca de dois anos, a estatal China Aviation Industry Corp. 1 (AVIC 1) anunciou a conclusão do primeiro jato regional chinês, o ARJ21-700, lançado em dezembro de 2007. A Embraer é sócia da AVIC 2, a empresa aeronáutica que também tem o governo chinês como controlador.
Em outras palavras: o Estado que participa da construção da família de aviões brasileiros ERJ passou a fabricar, sozinho, um jato regional bastante parecido.
Guan tampouco se incomodou com o anúncio, há duas semanas, da fusão das duas empresas chinesas criando a superempresa China Aviation Industry Group. Para ele, é preciso “tradição, qualidade e trabalho? para ganhar espaço no mercado de aviação. “Isso não se constrói da noite para o dia. Por isso, não temos medo da China?, diz ele.
O GLOBO: A China anunciou a fusão de suas empresas de aviação, a AVIC 1 e a AVIC 2. A Embraer será sócia e concorrente da mesma empresa? GUAN DONG YUAN: Antes da fusão, o governo criou a China Commercial Aircraft Co. (CCAC), que vai responder pela produção dos jatos acima de 150 passageiros, uma futura concorrente da Boeing e da Airbus.
Ela pretende ter sócios estrangeiros, e para que ficasse mais atrativa, o projeto do jato regional chinês, o ARJ21-700, de 90 lugares, foi transferido para a empresa. O governo será o principal acionista, ao lado do governo de Xangai. As duas AVICs também terão participação porque vão transferir alguns de seus projetos para lá.
O senhor não tem medo de que, com o mesmo controlador, as duas empresas troquem informações? GUAN: Não. O setor de aviação já é extremamente interligado, com empresas concorrentes num país sendo sócias ou fornecedoras em outro.
Setor de aviação chinês cresce 15% ao ano O GLOBO: Em que pé está o projeto chinês? GUAN: Está em fase de testes e atrasado, mas no setor de aviação é assim mesmo. Eles deve fazer o primeiro teste ainda este ano, mas o mercado acredita que, se tudo der certo, a comercialização começa em 2010.
O jato chinês ARJ21-700 é parecido com o ERJ.
GUAN: Não é. Uma diferença grande, por exemplo, é que o motor do jato chinês fica atrás, enquanto nosso motor está embaixo da asa. É preciso deixar uma coisa clara: a Embraer tem uma carteira de clientes conquistada ao longo dos anos com a qualidade de seus produtos a preços competitivos, além de um serviço impecável no pós-venda. Tudo isso não se constrói da noite para o dia.
Por isso, digo que não temos medo da movimentação da China no setor de aviação. É preciso tradição, qualidade e trabalho para ganhar espaço neste mercado.
O que está acontecendo no setor de aviação da China? GUAN: Em 1999, o governo chinês decidiu criar duas estatais para competir entre si, a AVIC 1 e 2. A AVIC 1 ganhou destaque em aviões militares, um pouco em aviação civil e outros negócios, como autopeças e equipamentos de transporte. A AVIC 2 ficou com o setor civil e helicópteros. Hoje, assim como ocorre no setor de telecomunicações, a hora é de consolidação e ganho de escala em recursos, tecnologia, fornecedores e mão-de-obra.
Faz muito sentido.
A Embraer foi informada dos planos do governo chinês? GUAN: Eles informaram a todos, não apenas a Embraer mas também a Boeing e Airbus.
A Embraer teve um início lento na China, mas parece ter deslanchado com os 100 aviões encomendados pela Hainan Airlines. A empresa finalmente deslanchou? GUAN: O setor de aviação chinês acena com excelentes oportunidades. A China já é o segundo maior mercado de aviação do mundo em transporte de passageiros: 180 milhões em 2007. Nos últimos 20 anos, o crescimento anual do setor tem sido de 15%, em média. Eles têm uma projeção de compra de 735 aviões de até 120 lugares nos próximos 20 anos. É 10% do mercado mundial.
A frota de aviões da China hoje é de 1.200 unidades, das quais só 90 de até 120 lugares, ou seja, 7% do total. No mundo, esta fatia é de 35% do total.
Veja como podemos crescer.
Como é a participação da Embraer no mercado de aviação executiva na China hoje? GUAN: Temos 100% do mercado de aviões regionais novos e 60% do total de aviões regionais de até 120 lugares operando no país. O governo começa a mudar o perfil da infraestrutura aérea com o fim da era das construções de grandes aeroportos.
O momento é de descentralizar, dando prioridade a rotas regionais para desafogar os grandes centros.
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