Estados Unidos e China: os principais atores em 2010
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Valor Econômico, 18/01/2010, pág. A13
A economia mundial em 2010 estará fortemente influenciada pelo que acontecer nos Estados Unidos e na China. Uma recuperação, mesmo que anêmica, da economia americana será condição necessária para garantir certa estabilidade no crescimento do resto do mundo. Já a economia chinesa vai representar o motor que deve garantir um crescimento acelerado - entre 5 a 7% - nas economias emergentes como o Brasil. Por isso os analistas acompanham com extremo cuidado a divulgação dos dados econômicos desses dois países e os mercados reagem com volatilidade a eles.
Nos Estados Unidos estamos assistindo a uma recuperação importante na produção industrial e a uma estabilização medíocre do consumo das famílias. O mercado imobiliário, tanto o relacionado à casa própria como ao de comerciais, continua em ritmo de crise. Por essa razão o investimento nesses setores está deprimido e sem um horizonte de recuperação.
Do lado das empresas se aprofunda a divisão entre pequenas e médias unidades de um lado e os grandes conglomerados internacionais do outro. O primeiro grupo ainda sofre de maneira intensa com a retração do crédito bancário, que não deu nenhum sinal de estabilização. Não por outra razão, o indicador de confiança desses empresários - e que são responsáveis por 80% do emprego na maior economia do mundo - continua se deteriorando. Já do lado das grandes empresas a retração do crédito bancário foi compensada por um enorme volume de emissões de bônus, o que levou a posição de caixa dessas empresas a níveis recordes. Alguns esperam que com o aumento da visibilidade do futuro essas empresas iniciem um novo período de investimentos, principalmente os relacionados à atualização tecnológica.
A maior fonte de preocupação dos analistas continua a ser o mercado de trabalho que, em uma economia altamente dependente do consumo do cidadão, representa a chave para uma volta à normalidade. Espera-se que a partir da primavera o emprego comece a dar sinais inequívocos de recuperação, ainda que a uma velocidade insuficiente para reduzir o numero de desempregados. Apenas a partir de 2011 é que a taxa de desemprego deve voltar a cair de forma mais consistente.
Nesse cenário, a economia dos Estados Unidos deve crescer 3,5% na primeira metade do ano, mas há o risco de perder fôlego para 2% ao ano na última parte de 2010. Números medíocres para uma recuperação que se segue a uma contração tão importante como a que aconteceu, mas suficientes para permitir que o mundo emergente possa apresentar elevadas taxas de crescimento, puxado pela China.
Se a recuperação ainda que frágil da economia americana representa a condição necessária para que o crescimento médio da economia mundial volte ao nível de 4,5% a 5% ao ano, é o vigor da China que nos dará a condição suficiente para que isto ocorra. Em 2010, o PIB do país de Mao deve crescer acima de 10%, sendo que no primeiro semestre do ano poderemos ver uma taxa próxima aos 12%. Nessas condições a demanda chinesa por commodities e outros produtos industriais vai irrigar outras economias no mundo emergente - principalmente na Ásia - e mesmo no mundo desenvolvido via o canal de importação de bens de capital.
Se no caso americano os riscos ao cenário descrito acima estão na direção de uma economia mais fraca, para a China as dúvidas referem-se a um superaquecimento. Como a economia chinesa tem hoje uma dimensão suficiente para que a questão da inflação ultrapasse suas fronteiras e chegue a outras economias emergentes essa passa a ser uma preocupação relevante. Esse vazamento já aconteceu em 2007 e muito analistas - principalmente aqueles que gostam de cenários de ruptura - estão prevendo que se repita agora.
Embora reconheça os riscos de um crescimento excessivo na China, não me parece razoável temer a volta rápida da inflação a nível mundial. Em 2007 quando a demanda chinesa levou o petróleo e outras commodities às alturas, as nações do G-7 funcionavam a plena carga. Em 2010 e mesmo 2011 o crescimento no mundo desenvolvido será medíocre, não devendo provocar uma volta dos preços das matérias-primas aos níveis de 2007. A demanda ao nível global ainda está - dada a dimensão das economias do G-7 - bem
abaixo da verificada nos momentos que antecederam a crise de 2008.
Mas o superaquecimento da economia chinesa é um risco real pelas consequências que algum erro grave de gestão ao longo deste ano pode acarretar. O sistema econômico chinês é altamente dependente de medidas administrativas tomadas em vários níveis de governo em função de objetivos de médios e longos prazos. Os resultados dos últimos anos mostram uma grande capacidade de acerto. Mas estamos falando agora de desequilíbrios conjunturais de curto prazo e com maior grau de dificuldade para serem enfrentados com a utilização de régua e compasso.
Tomemos o exemplo do mercado imobiliário em algumas das grandes cidades do sul da China. O comportamento dos preços de casas e apartamentos naquelas regiões reflete claramente uma situação de bolha especulativa. Mas o que se esperar em uma situação de excesso de liquidez nos bancos e de juros extremamente baixos? A resposta simples para essa situação seria um aperto da situação monetária via juros ou compulsórios mais altos. Mas o governo teme que se isso for realizado como resposta ao que ocorre no mercado imobiliário pode agravar a situação das empresas exportadoras de produtos industriais que ainda estão fragilizadas.
Esse mesmo comportamento dúbio ocorre em relação à política cambial do governo. O correto seria uma valorização do Yuan para reduzir de maneira natural o excesso de dinamismo da economia e ajudar a política monetária. Mas isso poderia criar enormes dificuldades adicionais em setores exportadores que sofrem hoje com a redução da demanda americana por seus produtos. Esse estado de conflito entre o que fazer no nível macro e seus efeitos micro em certos setores pode levar a uma desestabilização da recuperação chinesa no segundo semestre do ano, com reflexos muito fortes no mundo emergente.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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