Governo chinês desequilibra o barco global
Wieland Wagner*
O Estado de S. Paulo, 13.01.2010
Para estimular a sua economia, Pequim atrelou de novo sua moeda ao dólar. No entanto, isso não só aumentou os desequilíbrios econômicos globais, mas pode prejudicar a economia do país.
Há pouco mais de um ano, Huang Fajin, 55 anos, lutava para manter sua empresa ativa. Presidente da fábrica de isqueiros Wenzhou Rifeng Lighters Co., Huang viu-se forçado a demitir seus quase 500 empregados, por causa da crise global. Ele mesmo pouco tinha a fazer, exceto assistir TV no seu luxuoso apartamento em Wenzhou, no leste da China.
Agora, um ano depois, as atividades estão a pleno vapor na região de Wenzhou, que fornece ao mundo produtos baratos, de botões a cabos elétricos e, claro, isqueiros. Na fábrica Rifeng, operários de macacão cinza comprimem minúsculas peças de metal nas carcaças dos isqueiros que são vendidos na Europa, Estados Unidos e Japão.
Com uma magra margem de lucro, que não passa de 5%, Huang procurou ajustar o trabalho dos jovens empregados da sua fábrica para eliminar movimentos desnecessários. Mas o fato de ele ter sobrevivido à crise deve-se em grande parte ao governo, que decidiu em 2008 atrelar novamente sua moeda ao dólar americano.
O APOIO
Pequim adotou essa política para garantir que as fábricas continuem exportando a preços ainda mais baratos. Como o valor do dólar caiu drasticamente, o yuan caiu junto, perdendo 17% do seu valor em relação ao euro, em 2009. Ao mesmo tempo, essa taxa de câmbio artificialmente baixa serve de apoio, permitindo ao governo chinês proteger suas empresas exportadoras contra uma falência. Essa é a única razão da queda nas exportações de apenas 1,2% em novembro de 2009, em comparação com o mesmo mês um ano antes, permitindo à China substituir a Alemanha como maior país exportador.
Muitos no Ocidente consideram essa potência econômica um enorme motor que está ajudando a tirar o resto do mundo da crise. O governo em Pequim deu um empurrão na economia com um gigantesco pacote de estímulo de cerca de US$ 580 bilhões em investimentos na construção de estradas, rodovias e aeroportos. Devoluções de impostos para estimular o consumo, particularmente de produtos caros, como carros, também fizeram parte do pacote.
Mas a China, com sua enorme economia de exportação, na verdade expandiu os desequilíbrios globais com essa estratégia cambial agressiva. O mesmo tipo de desequilíbrio que, em parte, foi o responsável pela recente crise financeira e, por isso, deveria ser corrigido.
A China também ameaça desencadear novos conflitos comerciais a longo prazo, particularmente com seus vizinhos. Desde o início da crise econômica, o país desloca parte das suas exportações para os países vizinhos, saindo da Europa e EUA, onde as vendas declinaram.
QUEIXAS DE dumping
Alguns desses vizinhos já adotaram medidas defensivas. Recentemente, o Vietnã desvalorizou sua moeda, o dong, em 5%, para proteger o setor doméstico de uma avalanche de produtos chineses. A Índia apresentou queixas de dumping à Organização Mundial do Comércio (OMC). E a Indonésia também procurou se proteger contra a importação de pregos chineses, impondo tarifas para o produto.
As empresas ocidentais ainda estão relativamente despreocupadas com a nova política cambial chinesa. No entanto, há uma oposição crescente na Europa e EUA à política adotada pela China para exportar e manter sua economia saudável à custa do resto do mundo. Autoridades provinciais chinesas buscam expandir as fábricas estatais e construir novas. Só o setor do aço aumentou sua capacidade em cerca de um terço em apenas dois anos.
Em consequência, o mundo deve se preparar para uma nova onda de produtos chineses baratos. Veremos um número crescente de queixas de dumping contra a China no segundo semestre de 2010, prevê Jörg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia em Pequim.
Ironicamente, a China, com suas medidas para manter o yuan artificialmente desvalorizado, acabará se prejudicando mais do que qualquer outro país. Para manter o valor do yuan baixo, o banco central chinês precisa comprar dólares constantemente. Como resultado, o país acumulou a maior reserva de divisas estrangeiras do mundo, de US$ 2,3 trilhões. A China investe cerca de dois terços das reservas em moeda americana, especialmente em títulos do Tesouro. Mas, à medida que o dólar cai, o valor desse investimento também declina.
Mas o país, até agora, tem se recusado a entrar no debate sobre a dependência dessas taxas cambiais manipuladas. A questão parece ter ficado embaraçosa para os líderes chineses, por causa da meta de equilibrar as contas correntes da China com as de outros países no fim de 2010. Essa meta foi o trabalho de homens como Yu Yongding, ex-assessor do BC chinês.
Ele comemorou seu maior triunfo em 21 de julho de 2005, quando o Banco Popular da China, como o BC chinês é chamado, determinou uma ligeira valorização do yuan ante o dólar, e simultaneamente acabou com a âncora cambial. Desde então, em vez de ficar atrelado ao dólar, o yuan passou a flutuar dentro de parâmetros fixos em relação a uma cesta de moedas.
Isso levou a um aumento de 22% no valor do yuan em relação ao dólar em novembro de 2008. Reformadores como Yu, imaginando que a China estava prestes a se libertar de sua dependência de um setor de baixos salários, comemoraram a correção cambial como um início simbólico. Eles também acreditavam que um yuan valorizado reduziria o custo das importações para a China, estimularia o consumo privado.
BOLHA PODE EXPLODIR
Durante a crise global, porém, os reformadores logo se colocaram na defensiva. Um deles é Zhou Xiaochuan, presidente do banco central. Zhou fixa a taxa de câmbio praticamente por instrução do gabinete, cuja intenção é fazer o possível para atingir a meta de aumento de 8% no Produto Interno Bruto (PIB).
Mas com esse regime rígido, Zhou também está alimentando a enorme bolha chinesa. Parte das divisas estrangeiras que ele é forçado a extrair do mercado para impulsionar o yuan é depois reinjetada no ciclo monetário na forma de maior liquidez. Os empréstimos a taxas de juros baixas dos bancos chineses indiretamente alimentam uma especulação generalizada em ações e no mercado imobiliário.
Se os EUA elevarem repentinamente os juros, a bolha pode arrebentar. Ao atrelar o yuan ao dólar, a China acaba se tornando dependente da política monetária americana. Huang Fajing, o fabricante de isqueiros, espera que o yuan continue subvalorizado. Se Pequim valorizar a moeda em mais de 1,5%, fecho a fábrica.
*O autor é correspondente da Der Speigel em Xangai
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