O mercantilismo chinês
Paulo Guedes
O Globo, Opinião, 4/1/2010, p. 7
Os chineses estão entre os bilhões de eurasianos que mergulharam de cabeça nos mercados globais de trabalho após a rejeição do regime comunista
Há tempos alerto para um dos mais preocupantes fenômenos do panorama econômico mundial: a insistência da China em manter artificialmente desvalorizada a cotação de sua moeda diante do dólar, estimulando a maior penetração de suas exportações nos fluxos de comércio internacional. Por trás desse fenômeno estão as pressões exercidas por um monumental "exército industrial de reserva", na melhor tradição marxista.
Os chineses estão entre os bilhões de eurasianos que mergulharam de cabeça nos mercados globais de trabalho após a rejeição do regime comunista. Com mão de obra sobrando, os salários são extraordinariamente baixos para os padrões ocidentais. É para criar empregos na China, derramando mundo afora o excesso de mão de obra sob forma de exportações, que as autoridades chinesas têm praticado o que o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman agora chama de "predatório mercantilismo chinês". Seu instrumento é a taxa de câmbio artificialmente desvalorizada. Krugman avalia o impacto dessa política de manutenção de um superávit comercial artificialmente elevado: "Nos próximos anos, o mercantilismo chinês pode acabar com 1,4 milhão de empregos apenas nos Estados Unidos. E a China se recusa a tomar conhecimento do problema."
O fenômeno não é novo. Já fora também praticado por décadas pelos japoneses. Havia mesmo uma perversa cumplicidade entre o capitalismo "mercantilista" dos asiáticos e o capitalismo "financista" dos americanos. O forte ritmo de crescimento da produção e do emprego na Ásia era dirigido para o mercado externo. E o excedente da renda sobre o consumo reprimido das formigas asiáticas era reciclado para financiar o excesso de gastos das cigarras americanas, notórias por exageradas taxas de consumo e pelo endividamento compulsivo.
A parceria entre as formigas e as cigarras parecia natural. Os "financistas", dopados pelo excesso de crédito, sustentavam artificialmente um clima de euforia e prosperidade. E os "mercantilistas", bancando a farra dos americanos pelo acúmulo de reservas, manipularam a taxa de cambio para estimular artificialmente o crescimento, roubando empregos em todo o mundo. Enquanto subiu a maré da liquidez global, ninguém percebeu. Mas, quando desceu a maré, apareceu logo um Prêmio Nobel para descobrir quem está nadando pelado.
A retaliação protecionista contra o mercantilismo chinês será uma ameaça crescente no futuro próximo. Uma baixa dinâmica de crescimento, uma legislação trabalhista obsoleta, regimes previdenciários ineficientes e ondas incessantes de imigração fragilizam as economias ocidentais nesta verdadeira guerra mundial por empregos. Particularmente no Brasil, os excessivos encargos sociais e trabalhistas, "conquistas" da social-democracia, são hoje a mais formidável cunha de exclusão social, marginalizando cerca de 50 milhões de brasileiros dos mercados formais de trabalho.
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