ENTREVISTA DA 2ª: YAN XUETONG
Ordem mundial do futuro é bipolar
RAUL JUSTE LORES, DE PEQUIM
Folha de São Paulo, 28.12.2009
Para intelectual chinês, a ordem multipolar hoje em vigor já está sendo substituída por uma "situação G2", em que China e EUA serão superpotências
Em 15 anos, o mundo terá uma "situação G2", com duas superpotências, EUA e China, liderando as discussões globais, de acordo com um dos mais influentes intelectuais chineses.
Yan Xuetong, 57, é diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua, a segunda maior do país, onde o presidente Hu Jintao e boa parte da liderança comunista estudaram.
Para Yan, o mundo multipolar que começa a se desenhar hoje será substituído pelo G2. Ele acha que a China nunca será "aceita no clube dos países desenvolvidos ocidentais" e que deveria reforçar suas alianças com o mundo em desenvolvimento.
Diz que o país precisa investir mais em sua força militar e que a relação bilateral da China com Coreia do Norte, Mianmar ou Sudão "não vai mudar".
Yan é considerado o líder da "nova direita chinesa", o grupo de reformistas que advoga por mais abertura econômica e menos interferência do Estado. O cientista político recebeu a Folha em seu escritório na Tsinghua.
G2 É FATO
Há um mal-estar sobre o G2 como se fosse uma política dos dois países, mas não é. É um fato. Hoje é cedo para falar de G2, mas em 15 anos ou no máximo 20 teremos uma "situação G2", quando a China terá efetivamente diminuído a distância que tem entre si e os EUA em termos de poder abrangente.
Há duas possibilidades no presente, a multipolarização e a bipolarização. É muito provável que a primeira seja substituída pela segunda.
Mas, por enquanto, economicamente, militarmente e em "soft power", a China não pode competir com os EUA. Só que a crise financeira global do ano passado diminuiu essa diferença e aumentou dramaticamente o status da China.
BARRADA NO CLUBE
Será muito difícil que a China seja aceita como membro do clube dos países desenvolvidos porque seu sistema político não é aceito pelo clube do Ocidente. Se a Rússia fracassou em ser aceita, duvido que a China consiga. Então a China poderia estabelecer uma parceria mais positiva com países em desenvolvimento, como Índia, Brasil, Rússia, África do Sul.
Ao contrário do clube das potências ocidentais, os emergentes não ligam tanto para a diferença nos sistemas políticos. O que os une é o estágio econômico. Os europeus achavam que estavam no centro do mundo e que deveriam servir de modelo para os outros, dividindo entre civilizados ou não. É um complexo de superioridade baseado não só em coisas materiais.
SUBSTITUIR O DÓLAR
A China acerta ao fazer a cúpula com os países africanos e deveria criar cúpulas regionais, China - América Latina e China - Oriente Médio. A China também deveria estimular o uso do yuan como moeda para o comércio bilateral. Acho incrível que ainda usemos o dólar até com a Europa. A China tem dólar demais, não de menos, esse é o problema do excesso de nossas reservas internacionais. Temos de tentar diminuir esse excesso. Também deveríamos oferecer programas de treinamento militar para países em desenvolvimento.
VANTAGENS DA CHINA
A crise financeira teve um grande impacto na nossa política externa. A crise levantou o status da China na arena internacional, nos deixou mais confiantes e fez com que o mundo veja que nosso modelo tem vantagens. É da natureza humana achar que todo sucesso é baseado em algum modelo correto. Agora, muitos se perguntam o que vale aprender sobre a China.
A China vai colocar mais e mais fé no dinheiro, achando que o resto do mundo mudará suas atitudes em relação ao país por conta do dinheiro. Não há sociedade ou juventude que adore mais o dinheiro que os chineses.
MAIS ABERTURA
Muito se fala se a China está se reestatizando ou não. Sei que há defensores, mas eu defendo que a economia chinesa seja mais e mais baseada e estimulada no setor privado do que nas estatais. É impossível que haja um retrocesso porque a adoração por dinheiro é a única ideologia na sociedade chinesa atual, e duvido que o governo consiga reverter isso.
O marxismo é uma teoria científica que pode explicar vários fenômenos sociais. Mas diz que a economia é a base da superestrutura da sociedade, do que discordo. Na China dos últimos 60 anos, cada grande mudança econômica aconteceu por mudança na política.
OBAMA NA CHINA
A mídia americana retratou a visita de Obama como fracasso, mas eu acho que ele atingiu seus dois objetivos principais: engajar a China na estratégia global americana e melhorar a imagem do país no mundo. Foi mais bem sucedido que [Bill] Clinton ou [George W.] Bush. Os EUA começaram com essa política de engajamento em 1996, mas ninguém chegou tão longe em um acordo.
No combate à proliferação nuclear, em meio ambiente, em economia, estamos mais unidos agora. Mas ele não conquistou coisas esperadas pela mídia americana, como fazer alguma declaração bombástica sobre direitos humanos.
Não acho que a visita de Obama tenha resultados imediatos em relação à política chinesa quanto ao Irã, nem quanto às relações bilaterais da China com Mianmar, Coreia do Norte ou Sudão.
CONTENÇÃO
Tanto o presidente Hu [Jintao] como o premiê Wen [Jiabao] usaram em 2003 o termo "ascensão pacífica" em discursos para se referir à China. Em 2004, o termo foi aposentado e passou-se a usar "desenvolvimento pacífico".
Acho que a razão fundamental para a mudança do termo é que a China não quer desafiar a posição dominante dos EUA. Os críticos no final dos anos 90 diziam que se a China se chamasse de poder ascendente, os EUA veriam a China como inimigo e passariam a adotar uma política de contenção.
É estúpido substituir uma palavra porque provocou suspeitas em outros. A estratégia só faz a teoria de que a China é uma ameaça mais popular e convincente.
SOFT POWER
Acho que há menos ataques e críticas à China após a crise financeira, o que é um indicador do crescimento do "soft power" da China. A China deveria dar mais ideias ao resto do mundo, em vez de ficar reforçando as ideias que já circulam por aí.
Precisamos convidar mais autoridades, acadêmicos, empresários e artistas de todo o mundo para cá, organizar conferências internacionais para ver o que acontece neste país com seus olhos.
AFEGANISTÃO
Sou contrário à ideia da China enviar tropas ao Afeganistão. Já que a Otan não conseguiu vencer essa guerra em oito anos, eles têm uma chance muito remota de vencê-la no prazo anunciado pelo governo Obama. Se a Otan está condenada a fracassar lá, seria irracional para a China se unir a um time que está perdendo.
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