Aproximação China-Taiwan: objetivo consensual, a forma não
Alexandre Ratsuo Uehara & Moises Lopes de Souza
Mundorama.net, 29 Julho 2009
Taiwan voltou ao centro da atenção internacional em julho por causa da troca de correspondências entre os presidentes da China, Hu Jintao, e de Taiwan, Ma Ying-jeou. Em outra perspectiva pode-se dizer que a China continua ocupando espaços nas manchetes internacionais. O destaque foi a troca de mensagens foi motivada pela vitória de Ma Ying-jeou ao posto de líder do Partido Kuomintang (KMT). Essa foi a primeira comunicação entre representantes dos governos de Pequim e Taipei depois de 1949, ano em que Chiang Kai-shek se exilou na ilha e reflete a uma importante mudança na política externa do atual presidente taiwanês em relação ao se antecessor.
Taiwan, uma ilha menor que o estado da Paraíba, tem sua inserção internacional influenciada, desde 1949, pela relação China-Estados Unidos. Durante a Segunda Guerra Mundial (II GM) o presidente da China, Chiang Kai-shek, era o parceiro estratégico de Washington na Ásia. Mas, ao final da II GM, os comunistas assumiram o poder no continente e o aliado dos EUA fugiu para Taiwan. E, até o início da década de 1970, apesar do governo de Pequim ter uma abrangência territorial muito superior a de Taipei, era o governo taiwanês que representava a China nos fóruns internacionais.
O governo da China, por sua vez, desde 1949, jamais aceitou essa situação e tinha o entendimento de que Taiwan deveria ser “libertada” pelo meio da força, pois era uma província rebelde que deveria ser restaurada à “Terra Mãe” (WACHMAN, 2007). Para isso, o Partido Comunista Chinês (PCC) defendia o uso da força e as campanhas militares nas crises das “ilhas offshore”, em 1950, são exemplos dessa disposição. Mas, no início dessa década, houve a Guerra da Coréia (1950-1953) – episódio importante nas relações entre os EUA e a China, pois foram, respectivamente, aliados militares importantes das forças da Coréia do Sul e da Coréia do Norte. Esse episódio fez com que a preocupação chinesa na defesa da Coréia do Norte – estado “tampão” – adiasse a retomada de Taiwan.
Na década de 1960, o equilíbrio geoestratégico internacional começou a se transformar com a dissolução da aliança sino-soviética e o interesse dos EUA em enfraquecer a ex-URSS. A política externa norte-americana em relação à China modificou-se passando a buscar uma aproximação. Em 1971, a representação na Organização das Nações Unidas (ONU) foi transferida de Taiwan para a China e, com isso, a comunidade internacional de maneira geral passou a reconhecer o governo de Pequim como o “legítimo” representante chinês. Esse processo abriu caminhos para uma aproximação sino-americana, simbolicamente representada pelas visitas de Henry Kissinger e depois do Presidente Nixon a Pequim em 1971.
A aproximação fez com que o Partido Comunista Chinês desenvolvesse a “soft strategy”, prevalecendo a proposta de Deng Xiaoping de “um país, dois sistemas”. A partir de janeiro de 1979 o termo “libertação” foi abandonado em favor da bandeira de uma reunificação pacífica. Em 1981, o líder do Congresso Nacional do Povo, Marshal Ye Jiannying, anunciou a proposta de “nove pontos” na tentativa de levar o partido Kuomitang à mesa de negociações. Pequim acreditava que se mantivesse Taipei sobre pressão diplomática constante e aumentando seu isolamento, seria uma questão de tempo a retomada da ilha sem um embate militar, principalmente com os Estados Unidos (WACHMAN, 2007).
Em Taiwan, Chiang Kai-shek do partido KMT, exilado e sob o constante temor de uma invasão da China, desenvolvia desde 1949 um governo autoritário, aplicando a lei Marcial que suspendia vários direito dos cidadãos. Esse autoritarismo começa a enfraquecer em 1971, com a transferência da cadeira na ONU para China. Também contribuiu para a fragilização a morte de Chiang Kai-shek, em 1975, e a ascensão de seu filho Chiang Ching-kuo – mais liberal – em 1978. O governo de Taiwan foi afetado ainda mais pela declaração dos EUA, em janeiro de 1979, de que a ilha era parte da República Popular da China. Essa debilidade era vista por Pequim, conforme imaginado anteriormente, que a aproximação do governo Taipei era uma questão de tempo.
Chiang Ching-kuo sob pressão também dos EUA para democratização da ilha, vê o aparecimento do Partido Progressista Democrático (PPD) e a derrubada da Lei Marcial em 1987. Ching-kuo falece em 1988, assume a presidência Lee-Teng Hui. No governo de Hui houve intensificação e avanços nos diálogos sino-taiwaneses e foram criadas duas agências semi-oficiais para promoção do intercâmbio bilateral: a Straits Exchange Foundation por Taipei, em novembro de 1990, e a Association for Relations Across the Taiwan Strait, criada pelo PCC, em dezembro de 1991.
No entanto, Lee-Teng Hui, apesar de pertencer ao KMT, nascido na ilha, tinha fortes raízes étnicas taiwanesas. Com isso, após um início de diálogo com a China, passou a desenvolver uma política de maior autonomia buscando quebrar o isolamento diplomático imposto pela China desde a década de 70. Em 1993, Hui inicia uma campanha por um assento na ONU para Taiwan. Essas ações conduzem ao retorno das tensões e o PCC, sob a liderança de Jiang Zemin desde 1989, retoma a idéia da “hard strategy”. A China volta a defender políticas militares de persuasão para impor a unificação e os exercícios militares como os lançamentos de mísseis próximos a costa de Taiwan, por exemplo, em 1995 e 1996, são demonstrações dessa (WACHMAN, 2007).
Fica evidente que, independente da forma, em nenhum momento a recuperação de Taiwan deixou de ser defendida pela China, pois a ilha é considerada política, econômica e, principalmente, estrategicamente muito importante. A recuperação envolve uma perspectiva de legitimação do PCC e a reunificação, sob o princípio “de uma só China”, é um elemento defendido como parte da identidade chinesa que foi dividida com a separação de Taiwan. Portanto, o conceito de “soberania indivisível” é o fundamento de todas as ações políticas chinesas, que se questionado pode conduzir ao confronto, que em última instância seria para o PCC o encerramento de um processo que começou com a grande marcha liderada por Mao Zedong em 1934.
Entretanto, a estratégia desenvolvida pela China atualmente, cunhada de “The soft gets softer”, apresenta características novas e pacíficas, com a finalidade de conquistar corações e mentes taiwaneses. A nova abordagem começou a ser sentida a partir de 2005, quando iniciativas de cunho cultural para promoção de laços com Taiwan passaram a ser acompanhadas pelo aprofundamento de parcerias econômicas. Temos como exemplo de tratamento diferenciado para a Taiwan, a permissão aos seus estudantes do pagamento de taxas nos mesmos moldes dos estudantes chineses (“in-state tuition”), ou seja, são taxas universitárias mais acessíveis que aos estudantes de outras nacionalidades; aumento do prazo de permanência na China para jornalistas; e, na área econômica, em 2006, quando os preços da banana no mercado mundial caíram abruptamente, foi dado um tratamento especial à produção taiwanesa, com a manutenção dos preços e dos volumes de importação.
Apesar dessa nova política, a tendência nacionalista de Chen Shui-bian, presidente de Taiwan por dois mandatos (2000 a 2008), dificultava entendimentos entre os dois governos. As relações começam a mudar com a vitória de Ma Ying-jeou nas eleições de 2008, que marcou também a volta do KMT ao poder.
Ma é um político que defende mais negociação e menos tensão nas relações com a China. Já em abril de 2008, um mês antes da posse de Ma Ying-jeou, mudanças nas relações Pequim-Taipei podiam ser observadas, pois, nesse mês, durante o Fórum Econômico Internacional, o presidente chinês, Hu Jintao, se encontrou com o vice-presidente eleito de Taiwan, Vicent Siew, na ilha de Hainan. Em novembro desse ano foram firmados acordos entre China e Taiwan na área de transporte para possibilitar maior volume de negócios; houve a isenção de imposto de importação para mais de 100 produtos e também a ampliação no número de vôos diretos entre os dois países.
Portanto, as trocas de mensagens em julho de 2009, entre Hu Jintao e Ma Ying-jeou, ratificam a nova realidade bilateral. Consensualmente, entende-se boas relações entre esses dois atores contribuem para estabilidade na região. De acordo com dados da pesquisa da Mainland Affair Council de Taiwan, divulgados em 14 de julho de 2009, mais 70% dos taiwaneses apóiam as negociações bilaterais, mas nem todos estão satisfeitos com a forma. Em Taiwan, há oposição e críticas em relação a condução da aproximação Pequim-Taipei, por estar muito centralizada na figura do presidente taiwanês e por ser pouco transparente foi apelidada, pelos líderes do Partido Progressista Democrático, como “Secret Diplomacy”.
Apesar de algumas restrições quanto à forma, a tendência é de aproximação por três fatores presentes no momento: a disposição do governo de Taiwan, o fortalecimento internacional e interesse da China e a debilidade relativa e interesse dos EUA. Assuntos para outro artigo.
BIBLIOGRAFIA
MINISTER OF THE MAINLAND AFFAIRS COUNCIL. The Current Stage of Cross-Strait Relations and the ROC Government’s Mainland China Policy. July 14, 2009. Disponível em: http://www.mac.gov.tw/english/index1-e.htm. Acesso em 28/Jul/09
WACHMAN, Alan M. Why Taiwan? Geostrategic Rationales for China’s Territorial Integrity. Stanford: Stanford University Press, 2007. 272p.
Alexandre Ratsuo Uehara é Doutor em Ciência Política, Professor de Relações Internacionais nas Faculdades Integradas Rio Branco, Membro do Grupo de Conjuntura Internacional da USP – Coordenador da área Japão, Pesquisador Sênior do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais – USP, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Estudos Japoneses (aruehara@usp.br).
Moises Lopes de Souza é Mestrando em Relações Internacionais na National Chengchi University em Taiwan.
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